revista Será?
Frei Betto é um homem culto, sério e informado. Mas a paixão política parece leva-lo a cometer vários equívocos e impropriedades quando manifesta sua posição política nas próximas eleições para presidente da República. Em texto escrito no dia 10 de setembro último e divulgado na rede social, o ilustre e respeitável Frei Betto apresenta 13 motivos pelos quais votará em Dilma Rousseff. Para estimular o debate, comento e questiono os seus argumentos equivocados ou inapropriados para defesa do voto na candidata do PT.
1. Apesar das mazelas e contradições do PT e do atual governo, votarei em Dilma para que se aprimorem as políticas sociais que, nos últimos 12 anos, tiraram da miséria 36 milhões de brasileiros.
As políticas distribuição de renda tiveram pouco efeito na redução da pobreza, por mais que se tenha difundido o contrário. O principal determinante da redução da pobreza e das desigualdades sociais do Brasil nas últimas décadas foi a forte mudança demográfica: o muito baixo crescimento da população em idade ativa e a drástica redução do tamanho das famílias. No ano 2000, as famílias tinham, em média, 2,4 filhos, caindo para apenas 1,9 filhos, em 2010, o que corresponde a famílias com média de apenas 3,3 membros. Mesmo com um aumento do PIB muito baixo, a pressão no mercado de trabalho levou à expansão dos salários médios. Simples assim: foi mais o mercado (mercado de trabalho) que o Estado o responsável pela melhoria social. Quem mostra isso é um estudo de Marcelo Neri, atual ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE): a contribuição da Bolsa Família, segundo o estudo, para o crescimento da renda domiciliar per capita no Brasil foi muito pequena, apenas 0,93%. E o aumento do salário real dos trabalhadores (não o salário mínimo) foi responsável por 71,16% do resultado social O que aconteceu foi uma queda do chamado “exército industrial de reserva”, para usar um conceito de Marx, que minguou porque a população em idade ativa se arrasta em torno de 1,2% ao ano (2005 a 2010). Ou seja, até com um crescimento medíocre da economia, com vivemos no governo Dilma, a demanda por trabalho tende a ser menor que baixa oferta de emprego. Isso explica também porque o desemprego está baixo enquanto a economia patina.
2. Votarei para que o Brasil prossiga independente e soberano, livre das ingerências do FMI e do Banco Mundial, distante dos ditames da União Europeia e crítico às ações imperialistas dos EUA.
A orientação destas instituições tem sido no sentido de gerar um superávit primário para reduzir o estoque da dívida pública. No governo Lula, ainda sob a condução de Antônio Pallocci, foi gerado um superávit primário de mais de 3%, superior ao que recomendava o FMI e que foi alcançado no governo de Fernando Henrique Cardoso. No que, aliás, fez muito bem. Sabiamente e sem precisar de ditames de fora, o governo apertou os gastos para gerar este superávit. O governo do PT diz que pagou a dívida brasileiro ao FMI para não sofrer “ditames”, mas seguiu as regras do fundo; e, pior, pagou divida barata com financiamento caro dos títulos da dívida pública. Marketing puro. Agora, no governo Dilma, a gastança voltou e não tem conseguido um superávit adequado, o que tem contribuído para pressão inflacionária. Não é preciso “ditames” de ninguém para saber que os gastos correntes do governo não podem crescer mais que o PIB-Produto Interno Bruto, a não ser com o aumento da carga tributária que parece já sufocante.
3. Votarei pela integração latino-americana e caribenha; pelo solidário apoio aos governos de Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Uruguai; pela autonomia da CELAC e do Mercosul.
A política externa de uma nação tem que ter princípios e buscar a defesa dos interesses nacionais e os acordos e cooperação internacional não podem ser guiados pela ideologia de plantão no governo. Contaminada pela ideologia terceiro-mundista, velha de 60 anos, o governo brasileiro ficou refém do MERCOSUL, contido por dois países em crise, incluindo a Venezuela, que entrou no bloco pela porta dos fundos numa manobra muito pouco diplomática.
4. Votarei pelo respeito ao direito constitucional de greves e manifestações públicas, sem criminalização dos movimentos sociais e de seus líderes.
Quem criminalizou ou quem poderá vir a criminalizar os movimentos sociais? Marina? Uma política originada dos movimentos sociais, muito mais identificada com estes movimentos sociais que a candidata do PT cuja história política está mais liga aos aparelhos partidários que aos movimentos sociais. E Aécio, como governador de Minas Gerais por 8 anos não tomou nenhuma decisão de desrespeito ao direito constitucional nem de criminalização dos movimentos sociais.
5. Votarei pela Política Nacional de Participação Social; pela manutenção de cotas em universidades; pelo Enem, o Pronatec e o ProUni; e pelo aumento do percentual do PIB aplicado em educação.
Nenhum candidato discorda dessas políticas e medidas. Vale dizer que, em Minas Gerais Aécio Neves deu uma grande prioridade à educação, tanto que tem o maior IDEB do Brasil. E Marina se inspira na estratégia de Eduardo Campos para a educação que levou Pernambuco a ter o maior crescimento da nota do IDEB, subindo do 12º para o 4º lugar no ranking dos Estados brasileiros. Mas o que não se pode escamotear é que no quesito educação, depois de 12 anos do governo do PT, a nota do PISA, que mede o desempenho dos alunos de 65 países, o Brasil ficou em 55º lugar.
6. Votarei a favor do Programa Mais Médicos que, graças à sua ação preventiva, fez decrescer a mortalidade infantil para 15,7 em cada 1.000 nascidos vivos.
A redução da mortalidade infantil é bem anterior ao Programa “Mais médicos” e, portanto, não tem nada a ver com esta iniciativa que, diga-se de passagem, é carregada de efeito publicitário para dizer, depois das manifestações do ano passado, que estavam resolvendo as péssimas condições de saúde do Brasil. O dado utilizado para a mortalidade infantil (15,7 em cem mil nascidos vivos) é de 2012 (IBGE) e, portanto, ainda não tinha sido inventado o tal programa. E a verdade é que a saúde no Brasil continua na UTI. O programa “Mais médicos” não está errado mas é vendido como a solução para os problemas de saúde do Brasil numa clara mistificação.
7. Votarei pelo crédito facilitado e o reajuste anual do salário mínimo, de modo a ampliar o poder aquisitivo das famílias brasileiras, a ponto de viagens aéreas deixarem de ser um luxo das classes abastadas.
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O reajuste anual do salário mínimo é absolutamente inquestionável. Algum presidente da República pode acabar com o aumento do salário mínimo que, aliás, está regulamentado por lei? E o crédito? O crédito parece que foi facilitado demais a julgar pelo alto nível de endividamento das famílias que dificulta agora a expansão do consumo. A economista presidente achou que bastava aumentar o consumo que a economia deslanchava; esqueceu que o crescimento da economia depende mesmo é de investimento. Sem investimento, as políticas expansionistas do governo Dilma aumentaram a inflação, que representa a mais perversa forma de redução do poder aquisitivo da população de média e baixa renda. Pelo visto, o governo dá com uma mão e toma com a outra.
8. Votarei para que o trabalho escravo em fazendas do agronegócio seja severamente punido e tais propriedades confiscadas em prol da reforma agrária.
Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso o Ministério do Trabalho combate o trabalho escravo e, principalmente, o trabalho infantil. Lembram do PETI-Programa de Erradicação do Trabalho Infantil?
9. Votarei para que a Polícia Federal prossiga apartidária, efetuando prisões até mesmo de membros do governo, combatendo o narcotráfico, o contrabando, a corrupção e a atividade nefasta dos doleiros.
Duvido que qualquer dos outros candidatos pensem em impedir esta atividade da Polícia Federal. Contudo, só agora a candidata Dilma está falando em cooperação com os Estados e foi leniente no controle de trafico de armas e droga na fronteira. Desconfio que esta declaração tenha implícita a ideia, que está sendo difundida pela candidata, de que a corrupção não cresceu nos governos do PT, o que houve foi aumento da investigação. Parece que as duas coisas cresceram muito nos últimos anos porque, por mais que se investigue os governos passados, nunca se viu nada parecido com o mensalão e que ganha novas proporções com a Petrobrás. Vale considerar que o mensalão foi muito mais que corrupção, foi uma desmoralização da política e do Congresso brasileiro.
10. Votarei para que a inflação seja mantida sob controle e, no Brasil, o crescimento do IDH seja considerado mais importante que o do PIB. Se nosso PIB cresce pouco, nosso IDH é o segundo do mundo, atrás apenas dos EUA, se considerarmos o tamanho da população.
Quem decide votar com o objetivo de conter a inflação não pode votar em Dilma. Além da retomada da inflação nestes últimos anos do seu governo, ela está deixando armadilhas inflacionárias para serem desmontadas pelo futuro presidente, entre as quais, o represamento dos preços administrados, particularmente, combustível e energia elétrica.
E a informação sobre o IDH está totalmente equivocada. O Brasil está muito, muito longe de ser o segundo do mundo. O PNUD informa que, em 2013, o Brasil estava em 79º lugar, bem atrás da Argentina, do Uruguai, do Chile, do México, da Costa Rica e até da Venezuela, para citar apenas países da América Latina. Não existe nenhuma comparação lógica com o tamanho da população até porque, uma das variáveis do IDH é a renda per capita, além da educação e saúde. A informação sobre os Estados Unidos serem o primeiro do ranking também está errada: EUA estão em 5º lugar.
11. Votarei para que a nossa diplomacia permaneça independente, aliada às causas justas, sem tirar os sapatos nas alfândegas usamericanas e endossar o terrorismo bélico dos EUA, que dissemina lágrimas e sofrimentos em tantas regiões do planeta.
A política externa brasileira tem tido, ao longo de décadas, uma postura independente em relação às grandes potencias, parte dos princípios diplomáticos do Itamaraty, com algumas exceções em períodos da ditadura. Como disse o deputado José Genoíno, em 1999, o governo de Fernando Henrique Cardoso, que o PT tanto critica, teve como meta constante da sua politica externa “refundar a credibilidade externa sobre a estabilidade interna”. De qualquer forma, cabe a pergunta: quais são essas causas justas que os governos do PT defendem? As ditaduras africanas às quais perdoou dívidas? À Venezuela com a aventura populista de Chavez? Cuba? Os governos anteriores do PSDB defenderam o fim do embargo dos Estados Unidos e não creio que nenhum outro candidato rejeite esta tese. O que não parece ser uma postura independente é a forma como o Brasil trata os prisioneiros políticos de Cuba. Numa das passagens de Lula por Havana, um preso político em greve de fome estava morrendo (e morreu quando ele ainda estava lá), e o presidente brasileiro ignorou e ainda comparou os presos comuns do Brasil. Lula: “Greve de fome não pode ser usada como um pretexto de direitos humanos para libertar pessoas. Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem libertação”.
12. Votarei pela preservação do Marco Zero da internet, sem ingerência das gigantes de telecomunicações, interessadas em mercantilizar as redes sociais e manter controle sobre a comunicação digital.
O marco regulatório da internet foi aprovado no Congresso com o voto da grande maioria dos parlamentares dos partidos do governo e da oposição. Que presidente eleito vai modificar este marco regulatório?
13. Votarei, enfim, por um Brasil melhor, mesmo sabendo que o atual governo é contraditório e incapaz de promover reformas de estruturas e punir os responsáveis pelos crimes da ditadura militar. Porém, temo o retrocesso e, na atual conjuntura, não troco o conhecido pelo desconhecido.
Não existe nada mais conservador e reacionário do que preferir o conhecido ao desconhecido na medida em que, este sim, pode conter mudanças e inovações. O “mais do mesmo” é uma aposta no descontrole econômico, no voluntarismo irresponsável, no aparelhamento do Estado com a utilização dos cargos públicos para garantir o poder e comprar a adesão dos partidos e parlamentares, e na desestruturação do sistema elétrico, A maioria da população que pede mudança, como mostram as pesquisas de opinião, não pode preferir este conhecido que, de fato, é “incapaz de promover reforma de estruturas”.
Conclusão: Se Frei Betto decidiu votar em Dilma Rousseff, o que respeito e entendo como uma adesão ideológica, não pode explicar sua escolha pelos 13 argumentos apresentados como se fosse um diferencial positivo da candidata à reeleição, exceto o temor reacionário da mudança que o leva a “não trocar o conhecido pelo desconhecido”. Quase todos os 13 argumentos são infundados ou levam a preferir um candidato da oposição.
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