• Principais termômetros fiscais não foram mencionados como metas a serem perseguidas
- O Estado de S. Paulo
Há que dar um voto de confiança à nova equipe econômica. Pretende trabalhar com gradualismo na implementação de maior disciplina fiscal e com metas passíveis de serem cumpridas, sem o uso de contabilidade criativa e sem desperdiçar recursos nas transferências ao BNDES.
É um bom começo, mas há de considerar que os dois principais termômetros fiscais: déficit nominal e relação dívida bruta/PIB não foram mencionados como metas a serem perseguidas. Só o resultado primário de 1,2% do PIB em 2015 e maior do que 2% do PIB nos anos seguintes.
Isso pouco revela sobre a disciplina fiscal. Pode-se conquistar essas metas, mas se a despesa com juros não cair, os termômetros podem registrar piora no resultado fiscal.
Tenho apontado em artigos que está interditado no debate econômico a anomalia causada pelo excesso da taxa de juros básica, a Selic, que causa déficits fiscais, rombos nas contas externas ao colocar o câmbio fora de lugar e prejudicar a já difícil situação da competitividade das empresas.
Exemplo dessa anomalia ocorreu em vários anos na série histórica das finanças públicas. Vale lembrar que o melhor resultado primário ocorreu em 2005, quando atingiu 3,8% do PIB e o pior até 2013 foi neste ano, desde 1999, com 1,9% do PIB. Se isso fosse o suficiente para avaliar o resultado nas contas públicas, as análises estariam equivocadas, pois em 2005 os juros atingiram 7,4% do PIB, conduzindo a um déficit fiscal de 3,6% do PIB (7,4 menos 3,8) e em 2013 os juros atingiram 5,2% do PIB dando um déficit fiscal menor de 3,3% do PIB (5,2 menos 1,9).
Para a gestão fiscal responsável não basta compromisso só com o resultado primário. É necessário, como estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), além dele e, principalmente, compromisso com o resultado nominal, que abate os juros do resultado primário.
Da mesma forma, não é correto afirmar, como foi feito, que as metas de resultado primário propostas pela nova equipe econômica conduzirão à queda da relação dívida/PIB. Nada garante isso se a conta de juros não for significativamente rebaixada, pois o que influi matematicamente na evolução da relação dívida/PIB é o resultado nominal. Se esse resultado decorrer da meta de 1,2% traçada para 2015 e, se a Selic continuar no nível atual, os juros poderão atingir 5,5% do PIB e o déficit fiscal seria de 4,3% do PIB. Nessa situação, a relação dívida/PIB pioraria em três pontos porcentuais, passando de 62% do PIB para 65% do PIB, caso o crescimento econômico atingisse 2%. É um mal resultado para a nova equipe e, certamente, poderá influenciar a classificação de risco do País.
De 2016 em diante, como a meta de superávit primário é de mais de 2% do PIB, suponhamos que seja de 3%, caso não se altere a Selic, a conta de juros poderia alcançar 6% do PIB, por causa da dívida mais elevada, levando a um déficit nominal de 3,0% do PIB (6 menos 3). Caso o crescimento melhore para 3%, seria necessário um déficit nominal inferior a 1,9% do PIB para não piorar a relação dívida/PIB. Ela só se estabilizaria, assim mesmo em nível elevado (65% do PIB), caso o crescimento fosse de 5%.
Tenho insistido na argumentação de que a Selic fora de lugar só vai agravar a evolução da relação dívida/PIB e, quanto mais tempo levar para se posicionar no nível da inflação, como fazem todos os países que lutam para recuperar o crescimento, mais difícil será a conquista do saneamento fiscal. Vale enfatizar que a LRF tem como princípio básico o equilíbrio fiscal, ou seja, resultado nominal zero, ou ainda despesas, inclusive juros equivalentes à arrecadação efetiva no setor público. Assim, falar só em resultado primário é enganoso.
Novas ameaças. Além da crítica a metas incompletas, com forte possibilidade de conduzir à piora fiscal caso não ocorra substancial redução da Selic, há novas ameaças às contas públicas. A primeira delas já ocorreu. Foi a aceitação da presidente da decisão do Senado de aprovar a alteração retroativa da dívida dos Estados e maiores municípios para com a União. Isso vai permitir novos endividamentos desses entes federados elevando a despesa do setor público e, como o governo federal é deficitário fiscalmente, terá de elevar o seu endividamento no mesmo montante das novas despesas que esses entes fizerem. Há, portanto, um duplo efeito a atingir as contas públicas e, a nova equipe acabou engolindo esse golpe ao coração da LRF no seu artigo 35, que proíbe o refinanciamento.
Como esse prêmio dado pelo Senado favorece principalmente os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Alagoas, e a prefeitura de São Paulo, os demais Estados e 99,9% dos municípios podem pressionar por novos benefícios e tome pressão sobre o governo federal.
Outra ameaça é a sempre crescente pressão do Poder Legislativo, Poder Judiciário e Ministério Público por mais recursos do que os que já dispõem. São reajustes salariais, mordomias de toda ordem, como o pagamento de ajuda aluguel a magistrados, procuradores e promotores públicos. O espaço deste artigo não permite apresentar várias outras ameaças fiscais.
Há que considerar, também, que ao contrário do que se divulga, não é o ministro da Fazenda que controla a despesa do setor público. Nem a do governo federal. Isso está a cargo do ministro do Planejamento, que é quem controla o Orçamento. O ministro da Fazenda pode e, certamente, tudo fará para alcançar a meta que foi traçada, mas se seus pares do Planejamento e do Banco Central não estabelecerem limites às despesas primárias (exceto juros) e às despesas com juros por causa da Selic, todo o esforço fiscal vai por terra.
Tenho insistido, também, que 64% da despesa pública não financeira pertence aos Estados e municípios e, sobre elas, a atuação do governo federal é quase nula da mesma forma que a LRF. O relaxamento fiscal promovido pelo Senado ao atacar frontalmente o artigo 35 da LRF vai elevar a despesa e a dívida pública.
Os 36% da despesa pública a cargo do governo federal impõem rígido controle sobre as despesas discricionárias (passíveis de controle), que representam apenas 10% da despesa federal, pois as demais 90% são engessadas pela legislação em vigor. Para o devido controle há que operacionalizar, o que não foi feito pela equipe econômica que sai, que é o respeito aos artigos 9.º e 14.º da LRF. O artigo 9.º estabelece que no caso de frustração da receita (receita menor que a previsão) há que reduzir a despesa de forma a manter as metas de resultado primário e nominal.
O artigo 14 obriga a compensar com tributo o que implicar em qualquer tipo de redução de receita por ato do poder público. É o caso das desonerações efetuadas pelo governo. A boa notícia é que a presidente acabou de vetar a lei por ela proposta, que permitia não compensar essa perda fiscal.
Enfim, o desfio fiscal está posto e a nova equipe econômica causou boa impressão aos meios de comunicação. O perigo é não conseguir enfrentar os problemas aqui apontados. Vale acompanhar.
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