- Folha de S. Paulo
Imagine um pequeno partido que tenha passado dez anos lutando para associar sua imagem a ideais de esquerda e causas libertárias, como o direito ao aborto e o combate à homofobia e a outras formas de intolerância. Agora imagine que este mesmo partido tenha eleito um deputado que fez campanha em quartéis, defendeu um general como ministro da Defesa e comemorou sua diplomação tirando "selfies" com Jair Bolsonaro, porta-voz da direita raivosa no Congresso.
Aconteceu no PSOL, que vive uma crise antes mesmo da posse do cabo Benevuto Daciolo, eleito no Rio de Janeiro com 49.831 votos. Líder da greve dos bombeiros de 2011, ele ajudou a ampliar a bancada federal da legenda de 3 para 5 deputados. Mesmo assim, há quem aposte que sua permanência não vá durar mais que alguns meses.
O choque de culturas começou às vésperas da eleição, quando o evangélico Daciolo fez circular um vídeo em que pedia votos com a Bíblia em punho. "Jesus está na nossa batalha. Homem nenhum pode parar esse movimento", pregava, com tom de pastor, antes de puxar uma oração de olhos fechados.
Eleito, o cabo criticou a subordinação dos militares a um ministro civil e chamou o sistema político brasileiro de "falsa democracia". A gota d"água foi a "selfie" com Bolsonaro, visto como a antítese do PSOL. Dias antes, o partido havia pedido sua cassação por afirmar que uma colega "não merece ser estuprada". Agora seus dirigentes se dividem entre os que sonham em enquadrar Daciolo e os que consideram inevitável expulsá-lo.
O PSOL já flertou com a autodestruição ao deixar que disputas internas afastassem políticos com mais conteúdo, como Heloisa Helena e Randolfe Rodrigues. Nos próximos anos, terá que escolher entre manter a pureza ideológica e continuar nanico ou flexibilizar os critérios de filiação para crescer, sob o risco de virar mais uma sigla igual às outras. O caso do bombeiro ajudará a definir o futuro do partido.
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