quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Míriam Leitão - Se o Natal acabasse

- O Globo

E se não houvesse Natal? Não no sentido da festa religiosa, mas da data do consumo. Os economistas se dividem sobre se isso reduziria ou não o movimento da economia. Muitas compras são apenas antecipação de consumo. Ou seja, aquele aparelho novo seria mesmo comprado em algum momento. Mas o estímulo do contágio das compras acaba produzindo aumento da atividade.

A circulação de mais dinheiro na economia é concentrada num período, mas ao mesmo tempo há também uma grande quantidade de perdas. Há mais vendas de passagens de todas as formas de transportes, mas aumenta muito a perda de tempo em trânsito caótico, aeroportos lotados, atrasos de voos. Há as horas desperdiçadas nas lojas, em longas filas para pagar . O "Financial Times" esta semana publicou uma análise nessa linha, "e se o Natal fosse abolido?" , escrita por Tim Harford. Bom, o primeiro e óbvio resultado é que deixaria de haver um estímulo sazonal para um consumo de US$ 75 bilhões a US$ 100 bilhões só nos Estados Unidos; no Brasil, a Fecomércio-RJ estima a injeção de R$ 22,6 bi no período natalino . Tim, porém, acha que o consumo aconteceria de qualquer modo, espaçado durante o ano, usando de forma muito mais eficiente a rede logística, o gasto energético e até a força de trabalho. Os preços subiriam menos, já que a demanda concentrada num único momento tende a elevá-los. As fábricas de produtos de enfeite natalino teriam que ser recicladas.

Há divisão entre as correntes dos economistas sobre se uma hipotética suspensão do Natal teria efeitos ruins ou seria neutra. Os preços sobem, mas as liquidações pós-natalinas, as remarcações e queimas de estoque neutralizam parte da elevação. O benefício do trabalho temporário para jovens é grande porque justamente nesta faixa etária há a maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho . Pelos dados da Pnad, o desemprego de 18 a 24 anos chega a 15,3%, quando no resto do país, por esta medida, está em 6,8%. Muitos dos que mostram capacidade nesta época do ano acabam sendo contratados; outros nem buscam isso, mas ganham experiência e alguma renda extra. Olhando objetivamente, o lado comercial do Natal tem alguma vantagem para a economia, mas não toda a que aparece nas contabilidades das redes de shopping ou das associações de comércio. Quando a situação econômica já é de estagnação com inflação alta, o impacto do espírito natalino é bem menor.

Em 2014 assim estamos. Se todos decidissem se concentrar no aspecto religioso ou — para os não religiosos e de outras crenças —nos valores que o Natal representa, como seria? Sem os presentes trocados haveria num primeiro momento uma desorganização da economia? Os efeitos da noite de 24 a 25 de dezembro começam bem antes. O último trimestre já é de aumento de atividade na indústria para atender as encomendas das lojas. E há sempre riscos para os integrantes da cadeia produtiva que vai das matérias-primas às prateleiras. Se subestimar o volume de vendas, perde-se chance de faturamento; se superestimar, fica-se com estoque caro de carregar num país de juros altos.

Esta é uma coluna de economia e o espaço nos força a olhar o Natal pelo lado material, de nível de atividade, ainda mais em ano de estagnação. Mas há o valor intangível dos abraços trocados, dos carinhos dados, de alegria de quando se acerta o presente, da expectativa das crianças. Sim, existem os que estão tristes e as frustrações de crianças que passam por outras privações. Todos sabemos. Como sabemos das distorções do Natal mercantil. Sem ignorar isso, o desejo da coluna é que prevaleça o valor intangível, que transcende a economia, e seja uma noite de alegrias em família. Feliz Natal!

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