• Mercado de trabalho, inflação, juro, indústria e contas públicas mostram economia em marcha a ré
Cássia Almeida – O Globo
País em descompasso
O primeiro mês do ano trouxe uma enxurrada de indicadores econômicos que terminou por esfriar qualquer ânimo de recuperação da economia num horizonte próximo. A alta na taxa de desemprego, inédita desde 2009, ano da crise global, mostrou que a resistência que o mercado de trabalho ainda exibia desmontou, diante da incapacidade de o país gerar postos de trabalho. A taxa, ainda baixa, de 5,3%, é bem superior aos 4,8% de um ano antes. E devemos ter a primeira queda no emprego formal desde 1999.
Nessa esteira, a arrecadação de impostos federais caiu. Até houve poupança para pagar os juros da dívida pública, mas no menor patamar em seis anos. O ajuste nas contas públicas, que fecharam 2014 com um rombo de 6,7% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto dos bens e serviços produzidos no país), vai tirar ainda mais lenha da fogueira da atividade econômica.
- Os indicadores estão de fato mostrando queda de maneira relativamente forte, sinalizando um primeiro trimestre bastante ruim, negativo em PIB, com dois trimestres consecutivos de queda (espera-se redução do PIB no fim do ano passado, que será divulgado pelo IBGE no fim de março) - afirmou Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os analistas estão de acordo que haverá recessão este ano, só divergem no tamanho do tombo. Pode ser de 0,5% para cima. E o racionamento de energia, mesmo que não aconteça, já minou os planos de investimentos dos agentes econômicos.
- Tem um componente comum, seja no consumidor, na indústria, na construção, que é o colapso na confiança. Estamos vivendo um ciclo econômico frágil, acentuado pela baixíssima confiança. Um sentimento de pé no freio generalizado no consumo e no investimento na economia real - diz Alexandre Maia, sócio da Kyros Investimentos.
O ciclo de expansão recente vivido pelo Brasil ficou para trás, lembra Maia. A alta dos preços das Commodities e o avanço forte do crédito não se repetirão: famílias estão endividadas e os bancos, mais cautelosos. O mercado imobiliário é outro que não terá o desempenho de anos anteriores:
- Herança do desarranjo da política econômica do governo anterior - diz Maia.
Agravantes não faltam no cenário. A Petrobras é um deles. A redução nos investimentos da estatal pode chegar a 30% - a companhia responde sozinha por cerca de 12,5% de todo o investimento do país - deve começar a pesar mais a partir de agora, com o cancelamento de encomendas. Assim, o setor de bens de capital da indústria, concentrado em máquinas e equipamentos, vai sofrer ainda mais este ano. Fechou 2014 com queda de 9,6% e pelos primeiros dados da indústria de 2015 continuará a se retrair. A utilização da capacidade instalada do setor caiu de 70% em janeiro do ano passado para 67% agora, o menor em cinco anos, informou ontem a Confederação Nacional da Indústria.
Como consequência, deve haver corte nas vagas com carteira assinada. Se isso acontecer, será o primeiro saldo negativo no emprego formal desde 1999, quando houve crise cambial, afirma o professor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda.
Alento no setor externo
O dólar mais valorizado, apesar de aumentar os preços por aqui, pode ajudar o Brasil a ter um saldo comercial positivo e evitar a queda mais forte do PIB. O déficit entre exportações e importações foi um pouco menor nesse início de ano, ainda que influenciado também pela baixa atividade econômica. Sem crescer, importa-se menos principalmente para a produção da indústria. E assim, o saldo nos ajuda. O dólar mais caro também torna o produto brasileiro mais competitivo. Nosso custo é em real desvalorizado e vendemos com dólar mais alto. Em um ano, a moeda americana subiu 22,7%. Mas nada que surta efeito agora, diz Lacerda.
- O que está acontecendo de positivo é que o ajuste cambial deve melhorar um pouquinho a competitividade das exportações. Mas isso não ocorre a curto prazo.
Enquanto isso, o Brasil está convivendo com um déficit nas transações com o resto do mundo de US$ 90 bilhões, ou 4,1% do PIB:
- Um déficit pesado, mas que deve melhorar com a desvalorização cambial - afirma Levy.
E não para por aí. A inflação está em alta. Em janeiro de 2014, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulava alta de 5,59% em 12 meses. Mês passado subiu para 7,14%. Com isso, o governo sobe os juros para conter o crédito e o consumo. A taxa média foi de 35,9% ao ano para 39,4%.
E temos que torcer para que as agências de classificação de risco deem um voto de confiança ao país e não cortem o grau de investimento, mesmo diante do esperado aumento da dívida pública em relação ao PIB. A alta deve resultar da arrecadação menor de impostos e juros mais altos.
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