• Obstáculos em série dificultam a meta de superávit de 1,2% do PIB este ano. Saída será cortar investimentos e elevar ainda mais os impostos, dizem analistas
Cássia Almeida – O Globo
Quando o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou a meta de economizar 1,2% do PIB no fim do ano passado, antes mesmo de assumir, o esforço parecia grande, mas possível. Do fim de 2014 até agora, tudo piorou. Dos números fiscais ao cenário político, do estoque de água e luz à cotação do dólar. O primeiro mandato de Dilma deixou um rombo de 0,63% do PIB, o equivalente a R$ 32,5 bilhões, a economia caminha ladeira abaixo, levando junto a receita do governo, a ameaça de racionamento de água e luz está cada vez maior, e a Operação Lava-Jato tirou as principais empreiteiras do país dos leilões de concessões e dos investimentos da Petrobras. E agora, volta a discussão de correção de 6,5% da tabela do Imposto de Renda.
O que parecia uma meta possível de alcançar agora só traz desconfiança. Para poupar os quase R$ 100 bilhões prometidos, o caminho será árduo para União, estados e municípios. Mesmo com o aumento de impostos na gasolina, no crédito e até nos batons, a economia com risco de entrar em recessão mina o esforço de arrecadação. O economista Raul Velloso diz que houve queda de 1% nas receitas federais em dezembro. E já há analistas prevendo que o PIB vai cair 0,5%, mesmo se não houver racionamento de água e luz. Se acontecer, a recessão será de 1%. A produção industrial já deu o tom da atividade em 2015. Como caiu muito em dezembro, se o setor não se recuperar e produzir o mesmo do último mês de 2014 o ano inteiro, já está contratada uma queda de 4% na indústria este ano. Com peso de 17,2% no PIB, o estrago pode ser grande. Mesmo com todos esses obstáculos, Velloso acredita que a meta será cumprida, por meio de uma contenção brutal dos gastos:
- O ajuste vai ser sangrento, vai espirrar pressão de todos os lados. Levy vai sentar em cima do caixa, vai atrasar pagamento, protelar, jogar para o ano que vem. Vai levar o secretário do Tesouro para casa, dormir com ele. É um ajuste emergencial, só dá para fazer um ano, senão forma fila na Esplanada.
O corte de gastos sozinho não vai dar conta do tamanho do aperto. E aí, podem vir mais aumentos de impostos, afirma Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon Brasil:
- A situação é difícil por todos os lados que se queira ver.
A inflação, que costuma ser boa para as contas públicas por inflar as receitas, não terá o efeito esperado. Segundo Montero, o efeito de alta dos preços só aparece se houver um avanço rápido da inflação, e não como estamos hoje já com a inflação acima do teto da meta de 6,5%. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 7,14% em 12 meses.
- Partindo de um déficit de 0,63% do PIB em 2014, numa economia paralisada, com a inflação já muito elevada, será muito difícil puxar dois pontos de primário em 2015 (1,2% da meta mais o buraco de 0,65% de 2014) - afirma Montero.
Para ele, mesmo que se confirmem as expectativas de corte de despesas e de aumento de receitas, ainda faltará dinheiro para economizar 1,2% do PIB: "O governo, em suma, anuncia corte de R$ 49 bilhões em despesas correntes e um aumento de R$ 21 bilhões em receitas. Pode cortar adicionais R$ 20 bilhões em investimentos. Ao todo, um impressionante esforço de R$ 90 bilhões. Infelizmente, mesmo comprando os anúncios pelo seu valor de face, absolutamente irreais no caso das despesas, falta muito dinheiro (precisaria vir na forma de mais impostos)", diz Montero, em seu relatório semanal.
Tanto Velloso quanto Montero veem corte de investimento na conta da poupança. Velloso toma por base o ajuste feito pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. O investimento público, que respondia por 0,9% do PIB, caiu para 0,3%.
- O investimento representa 1,2% do PIB, pode cair para 0,3%. Já tem 0,9 ponto do ajuste pronto.
Gabriel Leal de Barros, economista da Fundação Getulio Vargas, diz que o governo terá que lançar mão de todo o arsenal usado em outros ajustes.
- É um senhor ajuste, uma série de riscos vai fazer com que o ajustamento se prolongue por mais de dois anos, até 2017.
O arsenal citado por ele é corte de despesas e investimento e aumento de impostos.
A professora da Coppead Margarida Gutierrez lembra que a recessão já prevista e a ameaça de racionamento de luz e água não estavam no cenário quando a meta de 1,2% foi fixada:
- Ainda há a Operação Lava-Jato paralisando o país. Todos esses fatores atuam na direção de exaurir a confiança do empresário, que adia o investimento. A queda da arrecadação vai ser muito maior do que se projetava, mesmo com recomposição dos impostos. Não vai compensar, a não ser que haja outros impostos.
Margarida diz que, mesmo diante de tantos obstáculos, há como fechar as contas com economia de quase R$ 100 bilhões. E cita os refinanciamentos de dívidas federais, os Refis, que podem gerar receita extra de R$ 20 bilhões.
A solução de elevar impostos num país que reserva 36% de toda a sua produção anual para bancar o Estado não será muito bem-vinda, principalmente com um Congresso pouco disposto a fazer concessões à Presidência. E o Tesouro precisa destinar R$ 8 bilhões ao BNDES, para cobrir o subsídio dado aos financiamentos do banco. O gasto foi de R$ 100 milhões em 2014. E tem mais: a receita do Tesouro com dividendos das estatais pode vir abaixo do esperado. Em 2014, contribuiu com R$ 18,9 bilhões.
- Tudo indica que esses dividendos serão menores este ano - afirmou João Augusto Salles, economista da Lopes Filho & Associados.
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