terça-feira, 3 de março de 2015

Celso Ming - Esperneios

• A chiadeira dos empresários ao aperto dos cintos é esperneio esperado, mas injustificado

- O Estado de S. Paulo

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pode ter cometido deslize sincericida, mas nem por isso deixa de ter razão.

Quando afirmou que a política de desonerações da folha de pagamentos na primeira administração Dilma foi “grosseira” ou “uma brincadeira que custou R$ 25 bilhões” por ano ao Tesouro, o ministro foi apenas politicamente incorreto, na medida em que, nessas horas, falar é lata e calar é ouro. Mas, se a correção de rumos ficou necessária, foi porque havia o que corrigir. A presidente, que nesse caso entendeu que Levy “foi infeliz”, também admitiu que mudou porque a realidade mudou.

A realidade mudou há mais tempo. O Brasil estava vivendo (e ainda vive) acima de suas possibilidades. A temporada de bonança, das receitas fáceis e fartas das commodities, foi embora, sabe-se lá por quanto tempo. E a fartura de dólares no mercado internacional, que tanto favoreceu os tomadores de empréstimos, está com os dias contados. Além disso, o chamado bônus demográfico, que garantiu mão de obra barata para o setor produtivo, também se esvaiu. Independentemente dessa virada, ficou caro demais administrar a economia como se estivéssemos em festa permanente.

A mudança de condições atingiu a todos os países emergentes. Se, apesar do tão celebrado efeito marolinha, a crise afetou mais o Brasil, foi porque a política econômica aqui adotada estava errada, o que Dilma implicitamente acabou admitindo. A coisa vinha vindo errada sem que, no entanto, o governo sentisse a necessidade de uma virada. O que provavelmente mudou essa disposição foram as derrapadas da Petrobrás e a ameaça que paira sobre a economia, que é o rebaixamento da qualidade da dívida do País.

A chiadeira dos empresários ao aperto dos cintos é esperneio esperado, mas injustificado. Eles foram os primeiros a atacar a deterioração das contas públicas e agora refugam as consequências do ajuste. Não têm razão quando reclamam de que a empresa é a primeira vítima quando sobem os impostos.

Não há empresa que pague impostos. Elas não passam de coletorias dos governos. Quem paga são os assalariados, os acionistas e os consumidores. A empresa repassa para pessoas físicas os impostos que recaem sobre suas atividades. Se o tema é competitividade, a conversa tem, é claro, de levar em conta esses termos.

A pergunta da hora consiste em saber se o pacote de maldades distribuído agora é suficiente para produzir o ajuste. Certamente, não. Um grande número de distorções continua sem conserto. A Petrobrás está sendo asfixiada pelo atual marco regulatório, que a impôs como única operadora e determinou que tivesse participação de pelo menos 30% em todo projeto do pré-sal. Além disso, exigiu pagamentos substancialmente mais altos por fornecimentos de equipamentos, sondas e plataformas, para que fossem cumpridas metas irrealistas de conteúdo nacional.

As graves incertezas que pairam sobre o setor de energia elétrica e sobre os investimentos exige correções de curso. A atividade das empreiteiras está emperrada e, com elas, também os investimentos em infraestrutura, porque as denúncias da Operação Lava Jato as alijou das concorrências públicas. E há um vasto programa de reformas encalhado no Congresso: a reforma política, a do sistema tributário, a da Previdência, a das leis trabalhistas, etc. A luta continua.

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