terça-feira, 10 de março de 2015

Não há razões para pedido de impeachment, afirma Dilma

Após vaias, Dilma diz não ver razão para impeachment

• Para presidente, 'terceiro turno' das eleições levaria a 'ruptura democrática'

• Planalto teme que repercussão negativa de discurso na televisão estimule os protestos marcados para domingo

• Líderes da oposição rechaçam impedimento

Andréia Sadi, Valdo Cruz, Mariana Haubert – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Surpreendida pelos ataques a seu pronunciamento na televisão no domingo (8), quando foi alvo de vaias e panelaço em 12 capitais, a presidente Dilma Rousseff disse não ver razões para seu impeachment e que um "terceiro turno" representaria uma "ruptura democrática".

Afirmando apoiar o direito da população de protestar nas ruas, a petista questionou os argumentos dos grupos que defendem seu afastamento, que participam da organização das manifestações marcadas para o próximo domingo (15) em várias capitais.

"Eu acho que há que caracterizar razões para o impeachment e não o terceiro turno das eleições", disse Dilma nesta segunda (9), após cerimônia no Palácio do Planalto. "O que não é possível no Brasil é a gente não aceitar a regra do jogo democrático", continuou a presidente.

"A eleição acabou, houve primeiro e segundo turno. Terceiro turno das eleições para qualquer cidadão brasileiro não pode ocorrer a não ser que se queira uma ruptura democrática", completou.

Questionada sobre as manifestações do próximo domingo, Dilma disse que é preciso "conviver com a diferença", mas não se pode "aceitar a violência". "Manifestações pacíficas são da regra democrática", afirmou.

A repercussão negativa do pronunciamento de domingo, quando Dilma defendeu o ajuste fiscal e pediu paciência à população, acendeu o sinal vermelho no Palácio do Planalto, que teme que o discurso sirva para estimular novos atos contra o governo.

Na avaliação de assessores presidenciais, o momento escolhido para o pronunciamento se revelou um equívoco, e o discurso irritou ainda mais a parcela da população contrária à petista, criando o risco de provocar uma onda como a ocorrida nas manifestações de junho de 2013.

Logo pela manhã, Dilma reuniu-se com o vice-presidente, Michel Temer, e seus auxiliares mais próximos para analisar a situação.

Ficou combinado que o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), convocaria uma entrevista para defender o governo. À tarde, a própria presidente decidiu tratar do assunto com os jornalistas.

Dilma também vai discutir as manifestações com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu antecessor e padrinho político. Ela marcou um encontro com ele em São Paulo, nesta terça (10). Os dois devem almoçar juntos.

Na reunião da manhã desta segunda, Dilma ouviu de auxiliares que o panelaço do domingo foi semelhante às vaias que ela ouviu no Itaquerão, na abertura da Copa do Mundo, no ano passado.

Segundo ministros, na ocasião havia um grupo organizado a postos para protestar, mas o estádio foi ''contaminado'' e as vaias viraram uma ''onda'', assim como na noite do domingo. Nas palavras de um ministro, ''o vizinho'' não organizou, mas ''também decidiu bater panela''.

Na conversa com ministros, Dilma quis saber qual tinha sido a repercussão do pronunciamento no Nordeste. A preocupação do governo é que a petista esteja perdendo sua base eleitoral mais fiel, como mostram pesquisas internas, num sinal de que muitos eleitores estão arrependidos de terem votado nela.

Le Creuset
Oficialmente, o PT tentou minimizar as críticas, dizendo que se tratava de um movimento de oposição e predominantemente organizado por membros da elite.

Na avaliação de integrantes do Planalto, os movimentos não foram espontâneos e se concentraram em áreas nobres das capitais, ou, como afirmaram, foi um panelaço com panela Le Creuset --numa referência aos caros utensílios de cozinha da marca francesa.

Reservadamente, dirigentes do partido disseram temer a extensão do panelaço para os protestos de domingo e afirmaram que não se pode ignorar o episódio.

Uma ala do governo diz que o Planalto não pode encampar o discurso mais raivoso do PT e que, neste momento, a melhor estratégia é mostrar abertura para o diálogo, pregando tolerância e respeito a divergências, mas sempre criticando qualquer defesa de impeachment.

A principal preocupação de aliados de Dilma é com São Paulo, onde se concentraram os protestos e reações ao PT e à presidente.

Petistas ouvidos pela Folha atribuem o desgaste de Dilma ao abandono da agenda política pelo governo.

Na avaliação dos interlocutores, o Planalto apresentou uma agenda em junho de 2013 e prosseguiu com as políticas públicas, mas perdeu a comunicação com a população.

No governo, um ministro diz que a tensão nas ruas se deve ao fato de que "ainda não saímos de outubro", referindo-se ao período eleitoral. Dilma ganhou a eleição presidencial por uma margem apertada contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

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