Com cinco anos de atraso, um mandato desperdiçado e um monte de problemas acumulados, incluída uma inflação à beira de 8% ao ano, a presidente Dilma Rousseff admitiu: sua política de combate à crise de 2008-2009 está esgotada. Esse reconhecimento foi feito, publicamente, como justificativa do arrocho necessário para arrumar a economia brasileira.
Não houve, nessa declaração, o mínimo sinal de autocrítica. A presidente parece acreditar, sinceramente, no acerto da ação "anticíclica" de seu primeiro governo, apesar do amplo fiasco apontado pelos dados oficiais da produção, do investimento, dos preços, do comércio exterior e também do emprego. Ela já havia tentado transmitir essa mensagem, mas nunca se havia esmerado como no discurso de quinta-feira passada no Porto do Futuro, no Rio de Janeiro: "Nós, e eu digo isso porque passamos por uma conjuntura... eu vou repetir isso: uma conjuntura é um momento. Esse momento significa o seguinte: nós esgotamos todos os nossos recursos de combater a crise que começou lá em 2009, e que nós combatemos contra todas as características que são próprias da crise internacional deste período".
Segundo a presidente, essas características - "elevadíssimo desemprego" e "redução violenta da taxa de crescimento" - se prolongaram por seis anos, mas o Brasil, graças à política econômica, foi poupado desses males. A economia brasileira foi, portanto, uma ilha de estabilidade, talvez até de prosperidade, num vasto oceano de crise. Mas há um abismo entre a fala presidencial e os fatos.
Em 2011, quando o dilmês se tornou o idioma oficial da Presidência da República, a economia mundial cresceu 3,9%. O crescimento americano ficou em 1,6% e nos anos seguintes ganharia impulso, com firme redução do desemprego, agora em torno de 5,5%. A Alemanha nunca deixou de crescer nos últimos seis anos, com desemprego abaixo de 6%. A expansão chinesa foi sempre superior a 7% ao ano. A Índia e outras potências da Ásia se mantiveram dinâmicas. A América Latina cresceu em média, nesses anos, sempre mais que o Brasil, com inflação bem mais baixa.
Pela velha contabilidade nacional, a economia brasileira cresceu 2,7% em 2011, 1% em 2012 e 2,5% em 2013. O resultado de 2014 deve ter ficado muito próximo de zero. Os novos números devem sair no fim de março, mas nenhuma alteração metodológica mudará alguns fatos bem estabelecidos: a indústria ficou estagnada nesse período, o investimento fixo declinou, a infraestrutura continuou deficiente, as contas públicas pioraram muito e houve uma devastação das contas externas, com redução do saldo comercial e aumento do buraco em transações correntes.
O desemprego brasileiro, de 6,8% no trimestre de novembro a janeiro, é maior que o de 19 dos 34 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas o discurso oficial normalmente compara os números do Brasil com os de alguns países com taxas muito altas, como França, Itália e Espanha, sem levar em conta os dados de outras grandes economias, como Estados Unidos, Alemanha, Coreia, México, Japão e Austrália.
Muitos desses países têm crescido mais que o Brasil, embora tenham sido afetados mais seriamente pela crise de 2008-2009. Têm conseguido melhorar suas condições de emprego, suas indústrias permanecem mais competitivas que a brasileira e, de modo geral, suas contas públicas têm melhorado de forma significativa. Além disso, na maior parte do mundo civilizado, inflação tão alta quanto a do Brasil é raridade.
O mundo percebido pela presidente Dilma Rousseff - e revelado em suas falas - tem sido muito distinto daquele mostrado pela observação do dia a dia e pelas melhores fontes de informação. Esse descompasso entre a realidade e seu registro pela presidente é evidenciado também quando ela descreve as condições do Brasil. Mas, apesar de tudo, vale a pena ouvi-la. "O Brasil, senhoras e senhores, precisa de trabalhadores que tenham oportunidade de trabalho", disse a presidente no Rio.
É preciso reconhecer: quem mais diria algo semelhante com o mesmo ar de seriedade?
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