- O Globo
Sob o ruído das ruas, o governo se mostrou atônito. Protegida pelas colunas de mármore do Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff mandou os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência) para uma réplica à multidão emergente nas maiores cidades. Fracassaram.
Diante do rebrote da insatisfação, que paira desde 2013 e está cada vez mais focada na indecisão de Dilma, eles expuseram as fragilidadades de um governo aparentemente incapaz de se organizar em reflexão sobre o próprio futuro.
Cardozo anunciou "para os próximos dias" um pacote anticorrupção que, reconheceu, "já era uma promessa eleitoral da presidente".
Rossetto optou, primeiro, por desqualificar a pluralidade e diversidade da gente nas ruas: "A maioria é de eleitores que não votaram na presidente" - decretou.
Em seguida, buscou refúgio no esgarçado mito da reforma política, que o PT habituou-se a usar como rota de fuga em situações de emergência política.
É mais do mesmo. Dilma, por exemplo, fez exatamente esses mesmos anúncios 20 meses atrás, quando se surpreendeu com o vozerio da massa marchando sobre o asfalto no junho de 2013.
Passaram-se 80 semanas. A inflação recrudesceu, voltou a ameaçar os mais pobres (10%) da população. Houve um aumento da desigualdade social com a renda dos mais ricos crescendo a uma velocidade muito maior que a dos mais pobres. E, pela primeira vez na década, o emprego caiu praticamente em todos os setores.
O condomínio político-empresarial, cuja corrupção devastou a Petrobras e contaminou todo o setor de petróleo, acabou por expor a real dimensão do presidencialismo de coalizão formulado por Lula e intocado por Dilma. Para revertê-lo, a presidente precisaria ultrapassar os limites da coragem exaltada na propaganda governamental e atravessar o deserto da Praça dos Três Poderes, em Brasília, com a bandeira de um governo de coalizão de ideias - o oposto ao exercício do poder em um Executivo loteado entre aliados e assentado em 39 mesas ministeriais.
O governo tinha todos os motivos para não se surpreender com o nível de insatisfação que emergiu ontem nas maiores cidades. No início do mês, Rossetto foi à União Nacional dos Estudantes, notório reduto aliado, explicar que "não há reforma neoliberal e não há corte em nenhum programa social do povo brasileiro". Saiu vaiado.
Dias depois, Lula protagonizou uma manifestação sindical "em defesa da Petrobras". Entrou e saiu da sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio, sob vaias e escoltado por oito seguranças.
Na semana passada, em São Paulo, Dilma também foi vaiada por um grupo de trabalhadores ao chegar para um encontro com empresários da indústria da construção civil.
Uma das características dessa crise é a escassez de líderes para conduzir o país a um projeto de conciliação nacional.
Não se vê no governo, no Congresso e nos partidos sequer um pré-candidato 2018 disposto a defender a esperança.
Isso contribui para aumentar o grau de incerteza sobre o futuro, com um custo econômico que tende a ficar imprevisível na medida em que crescem as resistências às propostas de redução em alguns gastos governamentais.
Mas é notável: não há crise institucional, apenas um governo sem rumo e com três anos e oito meses de mandato pela frente.
Do lado de fora do Palácio da Alvorada prevalece a percepção de que nada é melhor do que a liberdade de ir às ruas, inclusive para protestar. É só o começo, mas ontem, outra vez, Dilma e seus ministros preferiram fingir que não viram.
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