O Estado de S. Paulo
Contagem da PM à parte, tinha uma multidão na Avenida Paulista ontem. Muito mais do que na sexta-feira. Tinha coxinha, sim. Mas também tinha quibe, empada e ovo colorido. Nunca se viu tanta fila nas bilheterias do metrô num domingo. Talvez porque o neo usuário não tem bilhete único - e, quem sabe, se solidarizará pelo aperto no transporte coletivo a partir da nova experiência.
Tinha gente pedindo intervenção militar, desenterrando slogans de 1964 e xingando a presidente, como tinha ambulante vendendo faixa "Fora Dilma" a R$ 5. Tinha famoso tirando selfie com a cara pintada para colocar no Instagram, tinha caixão do PT e tinha muita gente com camiseta da CBF gritando contra corrupção (exigir coerência até no vestuário seria pedir demais).
Mas, acima de tudo, tinha uma multidão - de um tamanho que nem o PT nem a CUT nem o MST são mais capazes de mobilizar. E isso supera o simbolismo de qualquer ironia que se possa fazer.
Na batalha das manifestações, o PT, Lula e Dilma perderam. A estratégia do confronto político não parece ser mais uma opção viável. Resta-lhes tentar a composição. Mas, depois do que aconteceu nas ruas, em posição mais frágil do que na semana passada. A ameaça velada da democracia direta saiu do baralho.
Tampouco os líderes do PSDB, principal partido de oposição, saíram de suas janelas, sacadas e contas no Twitter para os caminhões de som, ruas e praças. Pretendiam, assim, não partidarizar o protesto nem ser tachados de caroneiros. O distanciamento foi crítico e, acima de tudo, cauteloso. Demais.
Daí que os vencedores imediatos dessa batalha não foram os generais de nenhum dos exércitos, nem do vermelho nem do verde-amarelo, mas os engravatados de sempre. Aqueles que dominam as estruturas de poder brasilienses sem ter de vencer eleições majoritárias desde outro 15 de março, 30 anos atrás. O PMDB.
Como assim, por exemplo?
Só o PMDB (e o baixo clero que orbita no seu entorno) tem força hoje para sustentar Dilma no cargo.
Ou tirá-la. Mesmo com seus principais operadores citados na lista de investigados do Janot, o partido comanda a Vice-Presidência da República, a Câmara e o Senado. Domina não só a linha sucessória, mas a pauta do que será votado ou não pelo Congresso - ou seja, todas as medidas da última esperança do governo, o ajuste econômico de Levy.
Por consequência, quanto mais fraca Dilma, mais forte o PMDB. Não foi à toa que petistas e tucanos competiram para ver quem paparicava mais um dos seus líderes, Eduardo Cunha, na mais nova CPI dos Amigos, na semana passada. Nem é coincidência que, em meio a um suposto ajuste fiscal, o Fundo Partidário seja engordado com um aumento superior a 50%. Adivinhe quem vai ser o principal beneficiário dessas dezenas de milhões de reais?
Essa história não é nova. A rigor, tem 2.059 anos.
Num 15 de março, um ditador foi deposto a punhaladas, no mais famoso assassinato da história.
Segundo a tradição, ele teria sido avisado, um mês antes, por um vidente: "Cuidado com os idos de março". Mas um novo livro, lançado no começo deste mês, desfaz esse e outros mitos. Além de ilustrar o que ocorre hoje.
Em The Death of Caesar, o historiador Barry Strauss reconta como Júlio César foi traído por senadores e generais aliados não por ir contra os ideais republicanos, mas, principalmente, porque ameaçou o estilo de vida deles. César tentou alterar a relação de forças onde emanava o poder senatorial: as províncias. Caiu.
Quem ganhou com sua queda não foram os conspiradores. Nem a República. Saiu-se vitorioso da guerra civil que se estabeleceu na sequência aquele que tinha mais recursos financeiros para sustentar um exército, Augusto - um herdeiro de César. E foi a partir desse assassinato que o poder em Roma foi parar nas mãos de um imperador depois do outro, até a invasão dos bárbaros.
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