- Brasil Econômico
Neste início conturbado de segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff parece se inspirar nos ensinamentos do florentino Nicolau Maquiavel. Além da política extremamente realista, em que se vê obrigada a ceder às pressões das raposas do PMDB, Dilma pratica um dos conselhos mais famosos de "O Príncipe": "Quando fizer o bem faça-o aos poucos, quando for praticar o mal, fazê-lo de uma vez só". Maquiavel acreditava que, agindo assim, o governante sofria desgaste no plano imediato, mas recuperava rapidamente o respeito dos cidadãos com o pinga-pinga das boas ações. De janeiro para cá, a presidente só anunciou más notícias.
Aderiu à receita ortodoxa que prevê um forte ajuste fiscal para pôr a economia em ordem. Aprovou a revisão de tarifas, a redução da pensão das viúvas e o aumento do prazo para se habilitar ao seguro-desemprego. Deu sinal verde ao corte de despesas em setores essenciais, como Saúde e Educação. Tudo isso em nome da austeridade econômica, pregada pelo ministro Joaquim Levy, doutor pela conservadora Universidade de Chicago. O saco de maldades provocou choro e ranger de dentes até mesmo entre os partidos da base aliada. E deixou o PT à beira de um ataque de nervos. A presidente, porém, não recua um milímetro na guinada de seu governo. Não admite fazer mea culpa, diz apenas que errar é humano. A muito custo, reconhece que cometeu um erro de dosagem nas medidas adotadas para manter a economia aquecida.
Mas justifica o equívoco. Tudo foi feito, segundo ela, para minorar o sacrifício das famílias. A equipe do primeiro mandato, encabeçada por Guido Mantega, teria esticado a corda para preservar os níveis de renda e emprego. O setor público foi até onde podia, agora a sociedade tem de se dobrar ao choque de realidade. Se a política desenvolvimentista foi abandonada, é por exigência das circunstâncias. A colheita, em termos de crescimento, trará bons frutos, garante Dilma. É mera questão de paciência. Nem todos, porém, encaram o ajuste como uma fase de transição. Não creem que o suor de hoje dará vez a uma temporada de benesses. Reagem à versão otimista de que o atual plantio vai gerar uma colheita generosa. Céticos, acham que o governo abandonou o compromisso com soluções heterodoxas e se rendeu ao neoliberalismo.
O dominicano Frei Betto, compadre de Lula e amigo de Fidel Castro, pertence a esta corrente. Na entrevista desta edição do Brasil Econômico, ele se mostrou decepcionado com as mudanças e considerou paradoxal a postura do PT, que apoia a política conservadora e ao mesmo tempo defende o MST e o MTST. Faz um paralelo com o filme "Adeus, Lenin", em que uma senhora comunista sai do coma depois da queda do Muro de Berlim. Eis a comparação de Betto: "Se algum petista tivesse entrado em coma no Brasil em agosto de 2014, despertasse agora no hospital e visse o noticiário, estaria convencido de que o Aécio foi eleito. Por conta das medidas que estão sendo tomadas, que penalizam os mais pobres, enquanto não há nenhuma tributação sobe herança, sobre grandes fortunas". Na opinião de Frei Betto, a seguir assim, o ciclo do PT no poder deverá se encerrar em 2018. Até Lula, com todo seu carisma, teria a eleição ameaçada. Mas Dilma vai ficar só na maldade ou pretende pôr em prática a outra parte do conselho de Maquiavel? Será que a presidente não está elaborando um saco de bondades?
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