TCU considera que 'pedaladas fiscais' foram contra a lei
• Tribunal vai ouvir autoridades econômicas da época, como Mantega e Tombini
Martha Beck - Danilo Fariello – O Globo
BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou ontem, por unanimidade, voto do ministro José Múcio Monteiro, no qual ele conclui que as manobras que a equipe econômica do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega fez em 2013 e 2014, para melhorar artificialmente as contas públicas, feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O Tesouro Nacional, comandado à época por Arno Augustin, atrasou repasses de recursos a bancos públicos, o que ficou caracterizado como empréstimo, vedado pela LRF. Para apurar os responsáveis pelo descumprimento da lei, Múcio obteve o sinal verde do TCU e vai ouvir 17 das principais autoridades econômicas do país nos últimos dois anos, entre elas Mantega, Augustin e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
O ministro utilizou em seu voto parecer do Ministério Público junto ao TCU e da unidade técnica do tribunal. O parecer conclui que as manobras - batizadas de "pedaladas fiscais" - resultaram no descumprimento da LRF.
Segundo o TCU, ao adiar repasses para instituições como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, o Tesouro obrigou esses bancos a usarem recursos próprios para honrar despesas que eram da União. A Caixa, por exemplo, teve de fazer pagamentos do Bolsa Família e do seguro-desemprego. Isso teria configurado um empréstimo da instituição a seu controlador, o que é vedado pelo LRF.
- Um banco público não pode emprestar dinheiro ao governo, e de certa forma foi emprestado. A partir do momento em que o banco público pagou uma conta do governo e que este demorou a ressarcir, caracterizou-se o empréstimo. É como se você estivesse devendo no seu cheque especial pagando uma conta, com o agravante de que o governo não poderia ter cheque especial nesses bancos - disse o relator,.
Segundo Múcio, essas "pedaladas" vêm sendo adotadas pelo governo desde 2011, mas ocorreram em maior intensidade nos últimos dois anos, em um montante de R$ 40 bilhões.
Os ex-presidentes da Caixa, Jorge Hereda, e do BB, Aldemir Bendine (atual presidente da Petrobras), também serão ouvidos pelo TCU, assim como Luciano Coutinho, do BNDES. Como o governo teria lançado mão de recursos próprios para pagar benefícios sociais e trabalhistas, os ministros do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, Cidades, Gilberto Occhi, e Trabalho, Manoel Dias, também terão de prestar esclarecimentos nos próximos 30 dias.
O acórdão aprovado pelo TCU também recomendou que as contas federais nos últimos dois anos sejam revisitadas e determinou que o Ministério da Fazenda efetue os pagamentos devidos ao BNDES, a título de equalização de juros, assim como compense BB e Caixa nos valores necessários para cobrir contas em aberto no prazo mais curto possível, mediante apresentação de cronograma.
- Precisamos fazer a conta de quanto isso representou nas contas que foram apresentadas do balanço fiscal brasileiro. Na verdade, houve um embelezamento da conta. O recurso total envolvido nisso são R$ 40 bilhões, mais ou menos - disse Múcio, que foi ministro do governo Lula.
Mas ele ressaltou que, neste momento, os convocados não são considerados "bandidos". E destacou que as oitivas ainda se referem ao início de um processo:
- Estamos no início de um trabalho de averiguação. Se houve crime, foi de gestão. Não tem bandido aqui.
Os responsáveis pelo descumprimento da LRF podem ser punidos com multas pecuniárias e ficarem impedidos de exercer cargos públicos por até oito anos. O TCU também encaminhou o caso para o Ministério Público Federal, para avaliar se houve crime fiscal. Neste caso, uma condenação pode acarretar pena de reclusão, de dois a quatro anos.
Presente ao TCU durante o julgamento do processo, Isaac Ferreira, procurador-geral do Banco Central, afirmou que Tombini vai prestar informações ao tribunal, mas destacou que não há uma investigação, e sim um pedido de esclarecimentos. Segundo ele, o recálculo das estatísticas será discutido internamente antes de ser executado.
O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, também será ouvido, por ser secretário-executivo da Fazenda à época das "pedaladas". Segundo ele, as ações do governo tiveram amparo jurídico e respeitaram a lei.
Os ministérios da Fazenda, do Trabalho, e do Desenvolvimento Social informaram não se manifestariam sobre o assunto por enquanto. A Caixa "ratifica a regularidade dos procedimentos adotados, mesmo entendimento da AGU sobre o tema". O Ministério das Cidades restringiu-se a dizer que o cronograma de pagamento do Minha Casa Minha Vida, questionado pelo TCU, continua normal.
Em nota, o BB informou que ainda não havia sido informado sobre a convocação de Bendine. Procurada, a AGU não respondeu. O BNDES não quis se pronunciar. Mantega não retornou o contato.
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