- O Globo
No governo, nas empreiteiras, no mundo político, muita gente respirou mais aliviada desde que a segunda turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por um voto de diferença, liberar os empresários presos em Curitiba. Eles já saíram da prisão e voltaram para as suas casas portando suas novas tornozeleiras. A partir daquele momento, a Operação Lava-Jato entrou em nova fase.
O advogado Alberto Toron, do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, disse que o Supremo resgatou o “direito de defesa do acusado, expressão maior da democracia”. Há, certamente, expressões maiores da democracia, mas os direitos do suspeito de corrupção foram respeitados desde o primeiro momento. O advogado Toron podia esclarecer melhor em que e quando a defesa de Pessoa foi tolhida, pelo fato de ele estar na prisão. O advogado atuou livremente, o acusado teve todo o direito à defesa, as leis foram respeitadas.
A maneira como foi decidida a liberação dos empresários aumenta o desconforto do país com a Suprema Corte porque a maioria da opinião pública está convencida de que os empreiteiros, fora da prisão, podem, com o poder que têm, embaralhar as investigações. Nenhuma corte, principalmente a mais alta do país, pode julgar com o objetivo de agradar a opinião pública. Mas a impressão dos leigos tem fundamento, tanto que a segunda turma decidiu por três votos a dois. Pareceram mais sólidos os argumentos de quem se posicionou contrário à suspensão da prisão. A preocupação em relação ao STF — que ficou mais nítida nesta decisão — é a de haver juízes na cúpula do Judiciário que foram escolhidos sob medida para um determinado resultado do julgamento.
O Brasil vive um tempo louco, em que parece normal que a libertação de nove suspeitos reduza a tensão no governo. É anomalia com a qual já nos acostumamos nestes tempos estranhos. Os dirigentes do país deveriam estar interessados em que a verdade aparecesse.
O brasileiro é um politraumatizado com os escândalos em série aos quais foi exposto nos últimos anos e, por isso, tende a achar que a partir da liberação dos acusados tudo volta à estaca zero. O país já viu tanta pizza, tanto tratamento diferenciado para os poderosos, que é natural que surja o medo de que nada mais aconteça na Operação Lava-Jato, dado que os empreiteiros foram soltos. Há impacto, sem dúvida; é um retrocesso, sim, mas não é o fim da operação.
A Lava-Jato já produziu alterações na relação entre o setor público e o setor privado. A partir dela, 27 empresas não podem fazer negócios com a Petrobras, até que as denúncias de propina sejam esclarecidas. A estatal teve seu balanço recusado por auditoria externa e foi obrigada a fazer outro, mais próximo da realidade, em que admite má administração e corrupção. O ex-tesoureiro do PT está preso. Houve condenações, inclusive do ex-diretor da Petrobras. Outras condenações acontecerão. Há processos em andamento. O STF aceitou 21 pedidos de investigação de políticos apresentados pela Procuradoria-Geral da República. Se a Lava-Jato acabasse hoje, já deixaria um legado, mas ela não acabou. Há muito por acontecer.
O andamento do processo é mais rápido quando o suspeito está preso, mas o fato de estar solto não é o mesmo que impunidade. Os empreiteiros ainda terão que avaliar, mesmo no conforto de suas casas, se o melhor é colaborar e encerrar o processo mais rapidamente, com uma pena menor, ou se querem apostar no silêncio que os condenará, acreditando que seus advogados encontrarão juízes em instâncias superiores dispostos a protelar o julgamento final.
Esta operação é a melhor chance que nós já tivemos de combater a relação promíscua entre empreiteiras, estatais e políticos no Brasil. A investigação e o processo têm efeito político relevante, e isso é que atrai as atenções, mas vai além da política. A economia tem muito a ganhar com um ambiente de negócios sem os vícios exibidos pela Operação Lava-Jato. Sem os sobrepreços, os descuidos propositais nos contratos, os acordos entre empresas para dividir as licitações da estatal, a economia será mais eficiente e mais competitiva. A corrupção tem mais esse efeito nocivo: ela torna a economia ineficiente.
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