quinta-feira, 16 de julho de 2015

Pedro Floriano Ribeiro - Sistema distrital: bom para o Brasil?

- Valor Econômico

• Sistema cria distorções e é cruel para minorias

A falta de ator capaz de aglutinar maiorias em torno de uma agenda coerente de reforma política multiplicou as fontes propositoras, e tem permitido a aprovação de medidas desconexas entre si. Os arremedos de reforma (ainda em tramitação no Congresso) têm contornos nitidamente corporativistas, sob medida para os anseios de deputados e senadores. Nesse sentido, a melhor notícia até aqui foi a derrubada de propostas de mudança do sistema eleitoral. Deixando de lado a aberração institucional do "distritão", abordo aqui a eventual mudança do sistema de eleição de vereadores e deputados, que deixaria de ser proporcional (vagas distribuídas segundo a proporção de votos auferida pelo partido ou coligação na cidade ou estado) para ser majoritário (apenas o candidato mais votado em cada distrito é eleito). Tentando dialogar com alguns argumentos recorrentes nesse debate, certas considerações merecem ser feitas.

O sistema majoritário - mais conhecido no Brasil como distrital - resolve diretamente apenas um dos problemas do atual sistema: torna o procedimento eleitoral mais inteligível para o eleitor mediano. No entanto, as desvantagens do sistema superam em muito esse ganho. Em primeiro lugar, o desenho dos distritos não é uma questão meramente técnica: trata-se de um problema político, já que os múltiplos contornos possíveis no recorte de bairros e cidades significam resultados eleitorais diferentes, favorecendo alguns partidos em detrimento de outros. Como os distritos não podem ter muita disparidade entre si em termos do número de eleitores, adotar divisões já existentes (do TSE ou IBGE) pouco ajudaria, já que elas nem sempre levam em conta o imperativo da homogeneidade. Além disso, as pessoas nem sempre votam onde residem, e os movimentos populacionais não deixarão de acontecer. Resultado: teríamos um problema político perene, com um sistema que demanda seu redesenho de maneira constante.

Em segundo lugar, o sistema distrital gera graves problemas de distorção da representação. Nenhum sistema eleitoral garante a correspondência exata entre a vontade popular, expressa nas urnas, e a distribuição proporcional de forças nas esferas legislativas. No sistema distrital, no entanto, como apenas o candidato mais votado é eleito, não há diferença entre receber 1% ou 15% dos votos, ficando em último ou em segundo lugar no distrito. Partidos bem votados podem ficar como forças marginais no legislativo, pois seus candidatos ficaram na segunda ou terceira colocação em diversos distritos. Assim, em países que adotam tal sistema (não por acaso apelidado de winner-takes-all) não é raro encontrar partidos que recebem 15% ou 20% do total de votos no país, mas ficam com 5% das cadeiras - o que acontece de modo reiterado na Inglaterra há décadas. Como as distorções favorecem os partidos já estabelecidos, a tendência de longo prazo é o menor arejamento do sistema partidário.

Em terceiro lugar, há algo que a lógica acima já sugere: parte do eleitorado pode encontrar uma dificuldade crônica de se fazer representada. O sistema distrital é cruel para a representação de minorias, de segmentos específicos, ou de bandeiras mais difusas (direitos humanos, meio ambiente etc.). Os defensores da causa LGBT não elegerão um deputado, a não ser que muitos deles morem em um mesmo distrito. Os comerciantes paulistanos tampouco terão seu vereador na Câmara, a menos que morem na mesma vizinhança etc. O sistema distrital é moldado para a promoção de apenas um tipo de vínculo representativo: o territorial (de bairro/cidade). Mas o sistema atual já não seria territorializado, com a formação de distritos informais? Sim, em parte. Mas o ponto central é que o sistema proporcional é o mais adequado a sociedades complexas, pois permite a formação de vários tipos de laços representativos - inclusive o territorial. Fechar outras portas é voltar ao tempo em que as identidades se definiam apenas pelo local de moradia e trabalho.

Finalmente, há o argumento de que a mudança diminuiria os custos das campanhas: haveria menos candidatos (o partido lançaria um por distrito), e cada postulante teria um território menor para captar seus votos. Tais premissas, parcialmente corretas, não autorizam inferências sobre a questão do financiamento. Hoje, os partidos nem sempre lançam o máximo de candidatos permitido por lei, o que deixa em aberto se o total de concorrentes realmente cairia. Em segundo lugar, partidos e candidatos já direcionam seus recursos estrategicamente, o que engloba certa "distritalização" dos investimentos, principalmente para os candidatos que se apoiam em bases definidas geograficamente. Por fim, os valores do financiamento da política não serão alterados sem rediscutir as receitas, em termos de quem, quanto e como se doa, e o caráter das campanhas eleitorais. Sem isso, a mudança do sistema alteraria apenas o modo de distribuição das despesas. Os totais arrecadados pouco mudariam, e os partidos adaptariam suas estratégias: os locais em que a derrota é certa seriam abandonados, os redutos receberiam o mínimo necessário para garantir a reeleição, e os distritos em que a vitória é possível, mas não é segura, concentrariam o grosso dos investimentos.

E o sistema distrital misto, como o alemão? Na medida em que meio problema é sempre melhor do que um problema inteiro, seria preferível ao distrital puro. Ajustes pontuais no atual sistema já ajudariam a sanar muitos dos problemas mais importantes. Porém, como o fantasma do distritão já deixou evidente, a inércia pode ser um bom plano B neste momento.
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Pedro Floriano Ribeiro é professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Centro de Estudos de Partidos Políticos (CEPP)

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