• Cunha conseguiu amansar o PT e agradar à oposição, mas não está livre da Operação Lava-Jato. A cada semana, surgem novas denúncias contra o presidente da Câmara
Correio Braziliense
Certa passagem da Arte da Guerra, do famoso general chinês Sun Tzu, diz que não se ganha uma guerra sem espiões, que ele classifica em cinco categorias: os nativos, os internos, os flutuantes, os liquidáveis e, principalmente, os agentes duplos. O drama do agente duplo é que ele não pode errar; se ficar do lado que perdeu, estará no sal. Quem faz jogo duplo na política fica mais ou menos na mesma situação do agente duplo. Tem que acabar a guerra do lado que vai ganhar.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acuado pela Operação Lava-Jato, está se movimentando como quem faz jogo duplo em relação ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Fez um acordo salomônico com os líderes de oposição ao esclarecer em plenário como deve ser a tramitação do processo de impeachment, ao mesmo tempo em que anunciou sua intenção de rejeitar o pedido encabeçado pelo ex-deputado Hélio Bicudo, um dos 13 que pretende despachar.
Poderia mantê-los na gaveta, como fez o ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo (PCdoB-SP) na crise do mensalão, com a ajuda discreta da oposição, que preferira ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sangrar, certa de que o petista não conseguiria se reeleger. Não, Cunha optou por anunciar que vai examinar cada pedido e rejeitá-los por improcedência.
Onde está o jogo duplo? No fato de que, ao rejeitar os pedidos, cria condições regimentais para que a oposição recorra o plenário e exija sua apreciação. Neste caso, bastariam o apoio de 257 deputados para que o processo de impeachment de Dilma Rousseff seja iniciado, por decisão de maioria dos presentes. Ponto para a oposição, que se gaba de já ter 280 votos favoráveis ao afastamento da presidente da República.
Cargos por votos
Num acordo com lideranças do Congresso, Cunha havia anunciado que poderia dar seu parecer nesta semana. Outro ponto para a oposição? Depende do sucesso da reforma ministerial. Na conversa com o ex-presidente Lula, o presidente da Câmara afastou do plenário da Casa o “Fora Cunha”, que havia sido ensaiado pela bancada petista em razão da Operação Lava Jato. Fez com ele um acordo de procedimento em relação ao impeachment: esperar a reforma ministerial para votar o recurso da oposição. Se o governo conseguir votos suficientes para derrotá-lo, o impeachment será abatido na pista, antes de levantar voo.
É por isso que a negociação da presidente Dilma Rousseff com o PMDB não está nem aí para o ajuste fiscal. O que conta mesmo é a garantia de votos para barrar a abertura do processo. Começou com a oferta de quatro ministérios – Agricultura, Minas e Energia, Infraestrutura e Saúde – e já está em sete, com a manutenção dos ministérios dos Portos e Aviação Civil, que deixariam de ser fundidos ao dos Transportes, e mais os da Pesca e do Turismo.
Na complexa equação do impeachment, seria mais fácil para o governo garantir 257 votos em plenário na próxima semana, antes que a situação da economia se agrave e o esgarçamento social aumente, do que apenas 170 votos para barrar a aceitação do pedido, que implicaria no imediato afastamento de Dilma, por causa dos protestos de rua que o processo provocaria.
Como o julgamento final ficaria a cargo do Senado, com Temer no exercício interino da Presidência, até os petistas avaliam que a abertura do processo seria um catalisador político. As manifestações de rua, que desaguariam na Praça dos Três Poderes como uma grande bola de neve, mudaria radicalmente a correlação de forças no Congresso.
Diante desse cenário, a melhor opção para o Palácio do Planalto é entregar os ministérios aos aliados, principalmente o PMDB, e salvar a Presidência, como disse o ex-presidente Lula aos petistas que reclamavam da perda do Ministério da Saúde na semana passada. E avançar na estratégia de precipitar o confronto com a oposição, antes que as ruas se mobilizem.
Mas todo plano tem fricção, não acontece como foi concebido. Cunha conseguiu amansar o PT e agradar à oposição, mas não está livre da Operação Lava-Jato. A cada semana, surgem novas denúncias contra o presidente da Câmara, que começam a complicar sua situação como investigado. Caso se torne réu na Operação Lava-Jato, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), dificilmente evitará a volta do “Fora Cunha”.
Em razão da votação do impeachment, Cunha corre o risco de ser tratado como inimigo pelo governo ou traidor pela oposição. É dura a vida de quem faz jogo duplo.
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