- O Estado de S. Paulo
Cinco variáveis poderão decidir o futuro da presidente Dilma Rousseff nos próximos meses: 1) reforma ministerial e administrativa; 2) corte de gastos e aumento de impostos; 3) decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as contas do governo no ano passado; 4) desdobramentos da Operação Lava Jato; e 5) convenção do PMDB para decidir a relação do partido com o governo.
As duas primeiras são decisões que dependem da presidente. Nunca, em quatro anos e meio no comando do País, Dilma precisou ser tão competente e pragmática como agora. As duas medidas poderão ser capazes de restabelecer o diálogo com o Congresso Nacional e a confiança do mercado em que o governo está realmente comprometido com o ajuste fiscal.
Infelizmente, os sinais vindos de Brasília são os piores possíveis. A tardia fase 2 do ajuste está pendurada num Congresso hostil e sem lideranças comprometidas com o equilíbrio fiscal do País. As dúvidas não se referem apenas à criação ou não de uma nova CPMF. Incluem também a aprovação ou não da essencial Desvinculação das Receitas da União (DRU), que foi o pilar do Plano Real e ainda não se moveu no Congresso, onde deve ser apreciada. Sem ela a capacidade do governo de abater a dívida pública cai dramaticamente.
O pacote fiscal foi mal empacotado, mal explicado e está cheio de arestas. Apesar do avanço em propor cortes, o Poder Executivo não coordenou adequadamente a proposta, além de ter posto no lombo do contribuinte o maior peso do ajuste. Ficou claro que para o governo “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Para avançar com uma complexa e incompleta agenda fiscal o governo depende de uma coordenação política que não existe. Ao contrário, os movimentos políticos do governo são sempre erráticos e não coordenados. Quando não trágicos. Para piorar, a base política está dividida, desconfiada e em conflito. Não confia nos parceiros nem no time palaciano de Dilma, que faz a equipe de João Goulart, o presidente deposto pelos militares em 1964, parecer uma academia de gênios políticos.
O julgamento pelo TCU das contas de 2014 do governo, marcado para meados de outubro, é outro evento importante. Além de o Planalto já enfrentar evidente má vontade no TCU, a existência de um processo judicial da Caixa Econômica contra o governo federal por causa das “pedaladas” fiscais só consolida a tendência de reprovação das contas.
Outro flanco aberto é a eventual poluição da campanha de Dilma com dinheiro investigado pela Operação Lava Jato. O tema está em aberto e pode trazer dores de cabeça, já que o empresário da UTC Ricardo Pessoa, que faz delação premiada, foi autorizado a depor no âmbito do processo na Justiça Eleitoral. O fato importa mais pelo efeito do que por uma improvável decisão de condenação das contas. Dilma até agora se safou da Lava Jato. Não ficaria bem ter sua campanha tisnada pelo esgoto da corrupção.
Em outros campos, a Lava Jato continua agregando tensão ao mundo político e ao governo. Há enorme expectativa a respeito das delações premiadas do lobista Fernando Baiano, que tem fortes ligações com o PMDB, do citado empresário Ricardo Pessoa e de ex-diretores da Petrobrás que ainda negociam suas delações. Considerando que as investigações não atingiram 50% do que pode ser apurado, o potencial de encrenca para o governo e para o mundo político é considerável.
Tanto a questão do TCU quanto a da Justiça Eleitoral podem ser decisivas para impulsionar o processo de impeachment da presidente. Alguns parlamentares contabilizam mais de 280 votos a favor de seu afastamento, mesmo sem a “bala de prata” que muitos esperam para justificar o processo. Apesar do anúncio de que a Casa Civil trabalha para conter o crescente apoio à tese do impeachment, o governo tem uma coordenação política fragilizada e recheada de contradições e desconfianças. No limite, não sei se a iniciativa da atual Casa Civil ajuda mais do que atrapalha.
A quinta variável reside no PMDB. Principal pilar político da presidente, o partido marcou para novembro a convenção em que vai avaliar e decidir como fica seu relacionamento com o Palácio do Planalto. Vários fatores dificultam a união do partido em torno de uma agenda. A começar pelo fato de que o vice-presidente, Michel Temer, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, têm visões e projetos distintos.
E a incerteza das repercussões da Operação Lava Jato só dificulta a situação do PMDB e sua relação com o governo. A ambiguidade do partido resulta no apoio de quase metade de sua bancada na Câmara à tese do impeachment. A questão é tão relevante que o ex-presidente Lula chegou a dizer que ou Dilma “se reconcilia com Michel ou o PMDB vai para o impeachment”.
As cinco variáveis aqui expostas desafiam um governo politicamente frágil, operacionalmente incompetente e emocionalmente dividido sobre o que fazer para conter a crise fiscal. Os cenários que se apresentam são complexos. Na melhor das hipóteses, o governo continuará a sangrar em público por algum tempo antes de conseguir se estabilizar ou perecer. Na pior das hipóteses, poderá entrar em rápida falência múltipla de órgãos e terminar sendo defenestrado pela via constitucional do impeachment.
Não foi por falta de aviso. Nunca um governo foi tão alertado sobre as graves distorções que começou a apresentar, desde 2012. Ainda este ano teve a chance de fazer o dever de casa. Mas hesitou entre fazer o que tem de ser feito rapidamente e adotar medidas paliativas. Preferiu sabotar aliados e ser fiscalmente complacente. Errou no diagnóstico, errou no tratamento. Está jogando o barco nas pedras. Tudo poderia ter sido diferente se o governo fosse minimamente competente do ponto de vista político e menos irresponsável do ponto de vista fiscal.
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Murillo de Aragão é cientista político, consultor e advogado, é mestre em Ciência Política e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília
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