- Gramsci e o Brasil (Texto originalmente publicado em L'Unità, 27/9/2015)
“O companheiro [Luigi] Longo expressou de modo muito claro suas críticas e suas preocupações sobre a questão da publicidade do debate. Não seria sincero se lhes dissesse que fiquei convencido”: em 27 de janeiro de 1966, no final de sua intervenção durante o XI Congresso do PCI, Pietro Ingrao pronuncia a frase que, talvez mais do que qualquer outra, caracteriza-o e coloca-o no imaginário coletivo de gerações de militantes. É a primeira vez que um dirigente do PCI diverge publicamente — e, portanto, clamorosamente, ainda que com toda a elegância e a circunspecção retórica que a época impõe — do secretário do partido: o ingraísmo nasce assim e imediatamente se torna símbolo do dissenso — sempre inconciliável e inconciliado e, no entanto, sempre dentro da dinâmica autorreferencial e estruturalmente conservadora de uma organização comunista. Pois bem, dissenso, mas em relação a quê?
Em 1966, o PCI que se reúne em congresso deve ajustar contas com duas novidades extraordinárias: Togliatti não está mais presente, morto em Ialta havia dois anos, e [Pietro] Nenni [PSI] está no Palácio Chigi com [Aldo] Moro [DC]. A unidade da esquerda fora rompida para sempre, e sobre suas cinzas os comunistas discutem se o desafio dos governos de centro-esquerda deve ser aceito, a começar pela “programação econômica” então na ordem do dia, ou se, ao contrário, deve-se construir uma alternativa radical, um novo “modelo de desenvolvimento”. [Giorgio] Amendola defende a primeira posição, Ingrao a segunda. Mas nenhum dos dois conseguirá verdadeiramente se impor, e o PCI de Longo, como de resto o de [Enrico] Berlinguer, jamais será capaz de escolher até as últimas consequências entre apocalípticos e integrados, entre “diversidade” e social-democracia, resolvendo o conflito interno numa substancial e inconclusiva oscilação estratégica.
É nesta ambiguidade estrutural — o fruto politicamente mais danoso da forma-partido ancorada no centralismo democrático — que o ingraísmo rapidamente deixa de ser proposta política e se torna estado de espírito e sentimento difuso, sensibilidade romântica e retórica cintilante. O dissenso, privado de conteúdo real (isto é, de um programa político eficaz) e, sobretudo, da possibilidade de desembocar numa batalha aberta e transparente, se retorce e contorce sobre si mesmo, projeta horizontes cada vez mais sugestivos, os quais, no entanto, nunca podem ser alcançados, e em definitivo se transforma em autoconsolação intelectual, refinada cultura de encontros e seminários, contemplação solitária.
Daí as razões de seu sucesso: ser ingraísta — isto é, dissentir — permitiu a gerações de militantes e a alguns dirigentes permanecerem no PCI sonhando um outro lugar puramente imaginário, sem jamais sair de casa. Não por acaso, quando foi proposta pela secretaria a expulsão dos ingraístas do grupo “Il Manifesto”, em 1969, Ingrao votou a favor; e quando [Acchile] Occhetto, vinte anos depois, propôs depois da queda do Muro a superação do PCI, Ingrao votou contra. O dissenso só existe enquanto existe o partido.
Observando-se bem, o ingraísmo foi, à esquerda, a forma mais refinada de renúncia à política: no recinto protegido e abafado do Partido, sempre com maiúscula e sempre rigorosamente defendido, projetava, de fato, o espaço da introspecção de tipo adolescente, da fuga para a frente intelectual e sentimental, da extenuada introversão crepuscular; em suma, do pertencimento calibrado, em cada oportunidade, não por aquilo que se deve fazer, mas pelo dissenso em relação ao que não se fez. O sucesso e o fracasso do ingraísmo são, quase misticamente, uma única e mesma coisa: e a derrota é a prova rainha de ter tido razão.
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