quarta-feira, 30 de setembro de 2015

‘ O PR fez o lobby’

• E- mail de ex- ministro revela que Lula atuou em favor da Odebrecht

Documentos apreendidos pela Polícia Federal mostram tentativas do presidente da empreiteira de influenciar ações do Planalto. Instituto Lula diz que atuação foi ‘ lícita, ética e patriótica’

E- mails apreendidos pela Polícia Federal na sede da Odebrecht, no âmbito da Lava- Jato, detalham a relação entre a empreiteira e o Palácio do Planalto nos governos Dilma Rousseff e Lula. Nas mensagens, Marcelo Odebrecht, presidente da construtora, hoje preso em Curitiba, sugere o que deveria ser dito por Lula e Dilma a chefes de Estado, em viagens oficiais. Em pelo menos um caso, o ex- presidente repete em discurso o tema proposto pelo empresário. Em email a executivos da construtora, em 2009, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, confirma que Lula atuou em favor da empresa junto a líderes estrangeiros. “O PR fez o lobby”, diz o texto. O ex- ministro disse que presenciou Lula, ao menos “meia dúzia de vezes”, vendendo empresas brasileiras a outros chefes de Estado, de forma “transparente”. O Instituto Lula disse que a atuação foi “lícita, ética e patriótica”.

Lobby documentado

• E-mails apreendidos pela PF revelam a influência do presidente da Odebrecht junto a Lula e Dilma

Renato Onofre, Thiago Herdy e Cleide Carvalho - O Globo

- SÃO PAULO- E- mails apreendidos pela Polícia Federal nas buscas realizadas na sede da Odebrecht em São Paulo, em junho deste ano, no âmbito da Operação Lava- Jato, mostram uma relação de influência da empreiteira junto ao Palácio do Planalto, durante os governos de Dilma Rousseff e Lula Inácio Lula da Silva. Nas mensagens, o presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, tenta interferir diretamente no que será dito pelos presidentes a chefes de Estado de outros países. Em alguns casos, a pressão surte efeito. Em mensagem para executivos da construtora, em 2009, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, afirmou que Lula fez lobby pela empresa em um dos encontros com líderes estrangeiros. Em mensagem apreendida pela PF, Miguel Jorge escreveu: “O PR ( presidente da República) fez o lobby”.

Os documentos mostram que o chefe de gabinete de Lula na época, Gilberto Carvalho, era um dos elos entre a Odebrecht e o presidente, de acordo com a interpretação da PF. Carvalho nega. Para os investigadores, o ex- chefe de gabinete, que tem uma ligação forte com a Igreja Católica, é o “seminarista” a quem Marcelo Odebrecht se refere em mensagens. No governo Dilma, o papel que era do “seminarista” passou a ser cumprido por Giles Azevedo, chefe de gabinete da presidente, e Anderson Dorneles, assistente pessoal de Dilma. Os dois também recebiam mensagens enviadas diretamente por Marcelo Odebrecht, em nome dos interesses da empresa.

Em 5 de junho de 2012, quatro dias antes de encontro de Dilma com o presidente da República Dominicana, Danilo Medina, Marcelo encaminhou a Giles e a Anderson uma nota com sugestões para a pauta da reunião. No documento, ele diz ser importante Dilma “reforçar” dois pontos na conversa: “A confiança que tem na Organização Odebrecht em cumprir os compromissos assumidos” e “a disposição de, através do BNDES, continuar apoiando as exportações de bens e serviços do Brasil, dando continuidade aos projetos de infraestrutura prioritários para o país”.

Financiamento para duas usinas
O GLOBO verificou que o encontro com Medina constou da agenda oficial da presidente em 2012. Não foi possível estabelecer se Dilma usou as sugestões de Marcelo. Em entrevista depois do encontro, o presidente da República Dominicana disse ter recebido aceno do governo brasileiro favorável à concessão de financiamento para construção de duas usinas no país. O projeto seria contemplado dois anos depois, ao custo de US$ 656 milhões. De US$ 2,5 bilhões emprestados pelo BNDES a empresas brasileiras entre 2003 e 2015 para contratos na República Dominicana, US$ 2 bilhões foram destinados a projetos desenvolvidos pela Odebrecht.

As mensagens de Marcelo Odebrecht para Lula eram enviadas por intermédio de Alexandrino Alencar, o diretor da empreiteira mais próximo ao petista. Alencar foi preso na Operação Lava- Jato, assim como Marcelo. As recomendações eram dadas por meio de documentos que tinham o mesmo título: “Ajuda memória”. Em 2 de maio de 2005, na véspera de uma visita do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, Marcelo Odebrecht pediu a Lula que reconhecesse o papel de Santos como “pacificador e líder regional”, e que fizesse menção às ações realizadas por empresas brasileiras em Angola, com destaque para a Odebrecht.

“Dr. Alex, aqui está o documento. Dr. Marcelo pede- lhe a gentileza de encaminhar ao seminarista”, escreveu Darci Luz, secretária de Marcelo, a Alexandrino Alencar. No dia seguinte, Lula recebeu Santos com um discurso em que mencionou a forma como ele “soube liderar Angola na conquista da paz”, e saudando- o por sua “perseverança e visão de futuro”. No discurso, Lula citou o projeto de construção da hidrelétrica de Capanda, mencionado no mesmo e- mail de Marcelo Odebrecht como um exemplo da cooperação entre os dois países: “Reforçamos, assim, um mecanismo financeiro que tem sido o grande motor da expansão dos investimentos brasileiros em Angola. A hidrelétrica de Capanda, símbolo maior da presença econômica brasileira em Angola, não teria sido possível sem a linha de crédito ( do BNDES)”, discursou Lula.

“Pedido que Lula deve fazer por nós”
Ao ser convidado por Lula para um almoço com o chefe de Estado da Namíbia, em Brasília, em fevereiro de 2009, Marcelo Odebrecht respondeu com cópia para seus diretores: “Pode ser uma boa oportunidade em função de nossa hidrelétrica ( Capanda). Seria importante enviar uma nota memória antes via Alexandrino, com eventualmente algum pedido que Lula deve fazer por nós”.

As mensagens captadas pela PF mostram que horas antes do almoço, o executivo da Odebrecht Marcos Wilson escreveu ao então ministro Miguel Jorge pedindo que Lula manifestasse a líder da Namíbia “sua confiança na capacidade desta multinacional brasileira chamada Odebrecht” assumir o projeto de uma hidrelétrica binacional na África. Miguel Jorge respondeu:

“Estive e o PR fez o lobby. Aliás, o PR da Namíbia é quem começou, disse que será licitação, mas que torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado”.

Os estudos de viabilidade da usina hidrelétrica Baynes, a ser construída na fronteira entre Angola e Namíbia, foram realizados por consórcio formado pelas estatais Furnas e Eletrobras e por Engevix e Odebrecht. O contrato foi assinado um ano antes da reunião mencionada nas mensagens. Apesar do pedido de Lula, o projeto ainda não saiu do papel, segundo a Odebrecht.

Integrante de comitivas do ex- presidente Lula em viagens à África, o empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula, também é citado nas mensagens de Marcelo como motivo de preocupação. Em 2011, executivos informaram a Marcelo Odebrecht presença do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, em evento com a participação de Lula, que na época já não era mais presidente.

“Importante não deixar o pecuarista solto por lá”, diz o executivo da Odebrecht, numa menção a Bumlai, que ficou famoso como agropecuarista e tinha interesse em investimentos na África.

“Alexandrino vai estar colado no Lula e no pecuarista todo o trajeto”, respondeu Marcelo.

As mensagens mostram, ainda, o presidente da Odebrecht participando ativamente dos pormenores de discussões sobre contratos da Petrobras e relacionamento da empresa com diretores que hoje são investigados na Lava- Jato. Em 2008, Marcelo Odebrecht discutiu com Pedro Barusco, gerente de engenharia da estatal hoje acusado de corrupção, o programa de construção de sondas.

Nos relatórios de perícia dos documentos, a PF ressalta que a análise apresentada nos autos em relação a todos esses e- mails é “preliminar”, e tem “o intuito de se identificar questões relevantes, que posteriormente serão aprofundadas ou complementadas”.

O seminarista
Para a PF, o ex- chefe de gabinete da Presidência Gilberto Carvalho era um dos elos entre a Odebrecht e Lula. Ligado à Igreja Católica, ele seria o “seminarista” citado nos e- mails. Na véspera de encontro de Lula com o presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, Marcelo Odebrecht solicita que Alexandrino Alencar encaminhe sugestões da Odebrecht para Lula por meio de Gilberto Carvalho, identificado como “seminarista” no e- mail. A secretária de Marcelo, Darci Luz Nadeu, envia o pedido do dono da empreiteira com um anexo no qual recomenda elogios ao presidente.

O Alvorada

• ‘ Essa palavra lobby, depois do escândalo, passou a ser muito pejorativa’

Em mensagem, Marcelo Odebrecht ofereceu ao então presidente da Vale, Roger Agnelli, ajuda para escolher o piso do pátio do Alvorada. A empresa fazia obras no Palácio. - SÃO PAULO- A assessoria do Instituto Lula classificou de “lícita, ética e patriótica” a atuação do ex- presidente Lula ao defender os interesses de empresas brasileiras no exterior. A atuação de Lula foi revelada em e- mails apreendidos pela Polícia Federal durante a busca e apreensão na construtora Odebrecht.

“Em seus dois mandatos, Lula chefiou 84 delegações de empresários brasileiros em viagens por todos os continentes. A diplomacia presidencial contribuiu para aumentar as exportações brasileiras de produtos e serviços, que passaram de US$ 50 bilhões para quase US$ 200 bilhões, e isso representou a criação de milhões de novos empregos no Brasil”, escreveu a assessoria de Lula, que atacou a imprensa:

“Só uma imprensa cega de preconceito e partidarismo, poderia tentar criminalizar um ex- presidente por ter trabalhado por seu país e seu povo”.

“Sem sacanagem”
No texto, a assessoria afirma haver uma “repetitiva, sistemática e reprovável tentativa de alguns órgãos de imprensa e grupos políticos de tentar criminalizar a atuação lícita, ética e patriótica do ex- presidente na defesa dos interesses nacionais, atuação que resultou em um governo de grandes avanços sociais e econômicos, com índices recorde de aprovação”.

Por telefone, o ex- ministro Miguel Jorge admitiu a troca de mensagens com os executivos da Odebrecht. Ele afirmou que presenciou pelo menos “meia dúzia de vezes” o ex- presidente Lula vendendo empresas brasileiras a outros presidentes.

— Essa palavra lobby, depois deste escândalo, passou a ser muito pejorativa. O que esses caras ( investigados na Lava- Jato) fizeram não foi lobby, foi corrupção. Agora, é absolutamente natural um presidente de um país atue no interesse em um consórcio de empresas brasileiras, das quais duas eram estatais. Ainda mais em uma situação importante de uma obra de não sei quantos bilhões de dólares. Isso foi feito de maneira absolutamente transparente, sem nenhuma sacanagem no meio — garantiu o ex- ministro.

“Lula, um caixeiro viajante”
O ex- chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, disse em nota “negar categoricamente que recebeu diretamente de Marcelo Odebrecht ou Alexandrino Alencar qualquer sugestão para discursos em agendas internacionais ou assuntos relativos à Odebrecht”.

Segundo Carvalho, “o presidente Lula sempre expressou que queria se transformar em um caixeiro viajante do Brasil”, por isso, em viagens, “sempre fez questão de convidar muitos empresários, realizando reuniões nos países visitados na perspectiva de abrir novas negociações para empresas brasileiras; a Odebrecht foi uma dentre muitas”, afirmou.

Por meio de nota, a Odebrecht informou que “os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional “legítima e natural” da empresa e sua participação nos debates de projetos estratégicos para o país — nos quais atua, em especial como investidora”.

A empresa disse lamentar a divulgação das mensagens nos processos contra a Odebrecht, por considerar que os e- mails não têm “qualquer relação com o processo em curso”.

O GLOBO perguntou à assessoria da Presidência se era comum a presidente Dilma Rousseff receber mensagens de Marcelo Odebrecht orientando seu discurso e se ela acatava as sugestões. O governo apenas divulgou nota informando ser “de interesse do país que empresas se internacionalizem e exportem seus serviços”. “Essa é uma prática usual em todos os países, assim como é comum que integrantes do governo se reúnam com empresários nacionais para ouvir contribuições na definição da agenda econômica internacional”, escreveu a assessoria da Presidência.

A fritura

• Empreiteiro também decidia presentes dados em nome da empresa

Em e- mail a executivos, o presidente da Odebrecht critica nome cotado para cargo no Ministério de Minas e Energia: “Caso não haja condições, melhor queimá- lo logo.” As preocupações de Marcelo Odebrecht não se limitavam à Presidência da República. Nos e- mails interceptados pela PF, o empresário discutia desde o monitoramento de ministros que não tinham pensamento convergente com o interesse da construtora até o melhor revestimento do piso para o Alvorada. Marcelo também estava atento às relações da empresa no exterior. Ele mesmo ajudou a definir quais os presentes seriam levados em nome da empresa a autoridades cubanas, entre elas o presidente Raúl Castro.

Marcelo observava atentamente a movimentação no governo. O ex- ministro de Minas e Energia Nelson Hubner, que ficou interinamente no cargo de maio de 2007 a janeiro de 2008, foi alvo da atenção do empresário. Tudo por conta da atuação de Hubner no leilão da Usina de Santo Antônio, do Rio Madeira, que interessava à construtora. Marcelo Odebrecht escreveu: “Alex, o Hubner está querendo jogar o PR ( presidente Lula) contra nós. Importante você fazer essa mensagem chegar no seminarista ( Gilberto Carvalho) ainda hoje”.

Por influência ou não da Odebrecht, Hubner deixou o cargo. Após a saída dele, um dos funcionários da Odebrecht escreve sobre os nomes que podem assumir a secretaria executiva da pasta. Eles avaliam o nome do ex- presidente da Eletronorte José Antônio Muniz Lopes. Um diretor da Odebrecht menciona a proximidade de Muniz Lopes com a Camargo Corrêa, o que preocupava Marcelo, que escreve: “Existe ( sic) condições pelo histórico de trazê- lo para o nosso lado, ou pelo menos deixá- lo neutro? Caso não haja condições, é melhor queimá- lo logo”, orienta.

Marcelo também tinha interesse na rotina do Alvorada. Em outubro de 2007, numa outra troca de e- mail com o então presidente da Vale, Roger Agnelli, ele sugeriu ajudar na reforma do local. “Vamos evoluir na reforma do pátio do Alvorada? Se precisar de ajuda para definir qual pedra é a mais adequada, me avise”. A Vale fazia obras no Alvorada na época.

Amenidades também passavam pelo crivo de Marcelo. Em maio de 2011, às vésperas de viagem com Lula ao Porto de Mariel, em Cuba, o empresário definiu com funcionários quem receberia presentes da empreiteira na viagem. O 1 º da lista era o presidente Raúl Castro, que faria aniversário em 3 de junho. Os também seriam dados a Pedro Perera, das Forças Armadas de Cuba; Rodrigo Malmierca, ministro do Comércio Exterior de Cuba; e ao embaixador brasileiro no país, José Felício.

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