- Semanal Rural (UFRRJ)
Vivemos hoje uma circunstância de grande separação entre a sociedade e o estado. Este é um país em que o Estado modulou a sociedade ao longo do tempo, até que a ditadura de 1964 foi derrotada, com a eleição de Tancredo/Sarney em 1985, e formou-se um novo governo civil. Em clima de amplas liberdades e ativação política e social, abriu-se a oportunidade para a sociedade criar, em nova constituição, o seu estado: o estado democrático de direito como expressão própria de um país de alta diversidade em muitíssimas dimensões.
A Carta de 1988 aproximou o Estado da sociedade por meio da expansão de direitos e instituições de participação cidadã; e trouxe o marco programático para as mudanças. No entanto, nos últimos 12 anos, grande parte do aparato de governo, influenciado por ideologias homogeneizantes da vida política, voltou-se para dentro dos interesses corporativos e de partido reunidos na Presidência da República, em contraste com os objetivos pluralistas e inclusivos da Constituição referidos à generalidade da população sem nenhum tipo de hegemonismo.
Os protestos juvenis de opinião pública de junho de 2013 vieram mostrar o distanciamento entre a sociedade e o Estado e a avançada erosão da credibilidade do governo, dos partidos, incluídos os de esquerda, do Congresso e também da representação social. A campanha eleitoral de 2014 recobriu esse dissídio com uma falsa bipolarização intrapartidária simplificadora da complexidade político-partidária, cultural e socioeconômica da sociedade aberta que somos.
Desde março deste ano vem se expressando uma imensa opinião pública nacional, inclusive nas ruas por onde já passaram quatro milhões ou mais de pessoas. A cena pública carece de vertentes democráticas políticas e partidárias influentes, lúcidas diante dos fatos incontornáveis – o colapso do projeto do governo, o esgotamento do seu modelo econômico, a corrupção de enormes proporções, o descrédito dos partidos, das esquerdas e do Congresso; e ao mesmo tempo determinadas para enfrentar a realidade dramática da dissociação entre a sociedade e o mundo político. Este último, como se sabe, é o lugar propício para a busca de soluções aos conflitos.
Não se conhece outros instrumentos, que encaminhem mudança sustentável e referida ao conjunto da população, que não sejam a democracia e a atividade política. A democracia tem como fundamento a democracia representativa, que é uma conquista civilizatória. A política busca concretizar mudanças progressistas, estimular a autonomia do homem comum e criar condições de participação cidadã generalizada nas esferas públicas e políticas da vida brasileira. A política é a única invenção humana que pode trazer o bem-estar, e não o capitalismo, como já afirmou Habermas.
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Raimundo Santos é professor da UFRRJ
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