• Dos poucos remanescentes do MDB histórico, e da linha de frente da campanha das “Diretas Já”, que coordenou, o deputado José Fogaça (PMDB-RS) voltou ao Congresso Nacional nesta legislatura, 12 anos depois, e adotou uma estratégia de isolamento.
• “O PMDB não discute mais estratégia nacional, como o doutor Ulysses fazia. Essas coisas não existem mais”
Evandro Éboli - O Globo
-BRASÍLIA- Busca entender o que virou seu partido — para ele “bem mais conservador” agora — e os pares a seu lado e está assustado com as bancadas temáticas, em especial do setor de Segurança Pública, a bancada da bala.
Deputado na época do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves, em 1984, Fogaça já foi senador e duas vezes prefeito de Porto Alegre (RS). Hoje, no plenário, Fogaça é visto sempre num canto, à esquerda, mais ao fundo. Observando. E raramente discursa. Aliás, nunca vai ao microfone com a Casa cheia. Ao ser abordado pelo GLOBO para conceder uma entrevista, reagiu com certa surpresa:
— Ué, me descobriram aqui? Qual razão do súbito interesse?
Fogaça é, por definição própria, um independente na atuação política, e um “low profile” no comportamento. — Quieto, mas atento — assevera. O parlamentar parece não se enxergar nesse PMDB de hoje. Acha que não mudaram só as pessoas, mas o perfil político desse gigante partido:
— Hoje temos um partido bem mais conservador. Era social-democrata, desenvolvimentista. Hoje não sei o que é, mas não tem mais o mesmo protagonismo político. Tenho me dedicado a entender o PMDB.
O deputado não é de muita proximidade com os atuais caciques da legenda e, apesar de sua trajetória e experiência política, nem é chamado pelo comando para opinar ou participar de decisões relevantes. De vez em quando, comparece a uma reunião ou outra convocada pelo presidente do partido, Michel Temer, mas diz ser uma mera formalidade.
— Mas são reuniões formais. Os deputados não são convidados a falar. É mais para sedimentar a proximidade entre os deputados. O Michel é um gentleman, uma figura educadíssima. Conversar com ele é sempre muito fácil, muito acessível. Mas a questão não é essa. É que o PMDB abdicou deliberadamente de ser um protagonista de primeira mão. Frontal.
Fogaça elegeu-se à Câmara, pela primeira vez, em 1982. Como todo peemedebista daquele período, sua referência política é uma só: “doutor Ulysses”:
— O PMDB não discute mais estratégia nacional, como o doutor Ulysses fazia. Essas coisas não existem mais. Vontade de me aproximar, eu tenho muita, mas hoje não encontro pontos de referência. Talvez seja um pouco de saudosismo. Há um novo modo de fazer política que talvez eu tenha que aprender.
Professor de cursinho pré-vestibular nos anos 1960 — dava aula de literatura —, Fogaça, que é advogado de formação, enveredou também pela música. É compositor. Faz melodia e letra. Tem canções gravadas por MPB-4, Quarteto em Cy, Olivia Hime, Nara Leão e Fafá de Belém. É parceiro da dupla conterrânea Kleiton e Kledir. É lembrado num trecho da letra de um hit dessa dupla — “Deu pra ti” — dos anos 1980, que evoca as coisas da terra natal “...Que saudades da redenção/do Fogaça e do Falcão...”. Casado há 35 anos com a cantora Isabela Fogaça, o compositor se dedica a compor hoje apenas canções com temas do Natal:
— Essa ideia começou nos anos 2000. O Natal aqui em Brasília era muito triste, as ruas apagadas. E começamos a fazer canções para nossos filhos. E, há 12 anos, apresentamos esse show por cidades do Rio Grande do Sul. Optei por seguir a linha dela, de canções para a família.
Trabalho em comissões
Na Câmara, Fogaça tem mais afeição pelos trabalhos nas comissões temáticas do que no plenário, onde a palavra é assegurada a poucos nas votações mais acaloradas.
— Há uma ditadura das lideranças ali que é dura de vencer — diz ele, sobre a restrição do regimento que concede espaço basicamente aos líderes e vice-líderes das legendas.
Mas Fogaça é titular da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa:
— Falo muito na comissão. Lá posso emitir opiniões e deixar um pouco da minha linha de pensamento.
Os parlamentares mais próximos, como o também deputado Osmar Terra ( PMDB- RS), explicam o isolamento adotado por Fogaça.
— O perfil dele é de um político mais preocupado com as grandes causas. É de uma ética e de uma correção inatacáveis. Ele está muito além desse toma lá dá cá e de outras coisas menores da política de hoje. E isso o deixa meio deprimido — diz Osmar Terra.
Na eleição presidencial de 2014, Fogaça apoiou Marina Silva (então no PSB) no primeiro turno e Aécio Neves (PSDB) no segundo. Mesmo crítico da aproximação do PMDB com o PT, acha que o partido não pode abandonar a presidente Dilma Rousseff:
— O PMDB está entre a cruz e a espada. O partido está aí há dois mandatos, eleito junto com Dilma. Já tinha feito aliança nos governos do Lula. O PMDB, queira ou não, tem seu dever de governabilidade. Não tem como fugir a isso. Não é meu dever, mas do partido. Lamento apenas esse clientelismo, a distribuição de cargos e ministérios.
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