- O Globo
O Planalto acha que precisa de Eduardo Cunha para segurar o impeachment, e a oposição acha que precisa dele para consegui-lo. Já o doutor acha que o Planalto e meia dúzia de notáveis de Brasília podem livrálo dos efeitos da Lava-Jato. É engano.
De acordo com a documentação bancária conhecida, desde o dia 23 de abril de 2014 Eduardo Cunha sabe que a Lava-Jato chegaria a ele. Foi quando fechou sua conta Orion no banco suíço Julius Baer, onde ficavam os cofrinhos de Renato Duque, Jorge Zelada e Paulo Roberto Costa.
A Lava-Jato tinha um mês de existência e já haviam sido presos Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa. No dia 20 de maio, no mesmo banco, Cunha fechou a conta Triumph, aberta em 2007. Nenhuma delas era facilmente identificável a partir de seu nome. Tanto era assim que deixou outras duas em atividade.
Em 2011 a Orion recebera um depósito de 1,3 milhão de francos suíços saídos de uma conta Acona, do BSI. Ela pertencia ao engenheiro João Augusto Henriques, um ex-diretor da BR Distribuidora que quase chegara a diretor Internacional da Petrobras, mas indicara o doutor Zelada para o lugar.
Em novembro do ano passado, a conta Acona foi bloqueada a pedido do governo brasileiro. Nessa época poucas pessoas falavam de Henriques. O governo, a Petrobras e Cunha preferiram esquecer o que ele dissera ao repórter Diego Escosteguy em 2013: “Do que eu ganhasse (nos contratos intermediados com a Petrobras), eu tinha de dar para o partido (PMDB). Era o combinado, um percentual que depende do negócio”.
A notícia do bloqueio da conta de Henriques no BSI chegou a Cunha, que se inquietou. Descobriu que a iniciativa partira de autoridades brasileiras. Calado, o Ministério Público estava atrás do poderoso Henriques.
Cunha foi eleito presidente da Câmara em fevereiro, entrou atirando e anunciou que convocaria os 39 ministros da doutora Dilma para sabatinas. Onze dias depois, colocou em votação e viu aprovada a imposição do orçamento impositivo. Surgira a expressão “pauta-bomba”.
Em março o doutor entrou na Lista do Janot e passou a ser investigado pelo Supremo Tribunal. Uma semana depois, outra bomba: a Câmara aprovou uma mudança no cálculo do salário-mínimo.
No dia 17 de abril, o banco Julius Baer fechou as duas outras contas ativas (Netherton e Kopek), que Cunha talvez tenha suposto serem inalcançáveis. Bomba de novo: menos de um mês depois a Câmara aprovou mudanças no cálculo do fator previdenciário.
Em agosto, o juiz Sérgio Moro aceitou uma denúncia do Ministério Público contra Henriques. Bomba: a Câmara aprovou a proposta de emenda constitucional que vincula os salários de advogados públicos e policiais aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal.
Em setembro, como era de se prever, Henriques foi preso. Desde o bloqueio da conta Acona, isso era pedra cantada.
Todas as bombas aprovadas pela Câmara, bem como aquelas que estão guardadas no paiol, podem ser defendidas em discussões pontuais. O problema é que, no conjunto, simplesmente destroem as finanças do país. Custam R$ 284 bilhões ao longo dos próximos anos.
O governo e a oposição acham que podem fazer acordos com Eduardo Cunha. Deixando-se de lado o fato que um acerto serviria para derrubar a doutora Dilma e o outro para preservá-la, o que há de mais intrigante nessas operações é que nem Cunha, nem a oposição e, muito menos, o Planalto, controlam o Ministério Público e a Lava-Jato. Se controlassem, ela já teria acabado há muitos meses. Trata-se de um caso de contaminação voluntária de reputações, algumas até boas.
Uma alma danada vem chamando o presidente da Câmara de “Al Pacino”. Fica a dúvida do que isso significa. Na vida real, o ator é um grande profissional, com um Oscar no papel de Serpico, um corajoso policial honesto. Esteve também em filmes como “Um dia de cão” (baseado numa história verdadeira) e “O poderoso chefão”.
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