• Oposição derrota o governo e comemora rasgando cópias da proposta
Simone Iglesias - O Globo
BRASÍLIA - Foi retirado da pauta na Câmara projeto do ajuste fiscal do governo que, em meio às investigações da Lava-Jato, foi alterado por deputados para anistiar quem fizer caixa dois ou cometer crime de associação criminosa, permitindo que se possa repatriar dinheiro não declarado. A oposição rasgou o projeto no plenário. -BRASÍLIA- O controverso projeto que permitiria que dinheiro enviado ao exterior resultante de crimes, como caixa dois e lavagem de dinheiro, retornasse legalmente ao Brasil e anistiava os criminosos foi retirado ontem da pauta de votação da Câmara. O projeto faz parte do ajuste fiscal do governo, mas foi modificado pelos deputados. Diante da polêmica que passou a cercar a proposta, a oposição conseguiu apoio da base governista para retirar a matéria da pauta.
A polêmica foi ampliada pelo fato de a Operação Lava-Jato ter revelado a existência de contas de políticos e de dirigentes da Petrobras no exterior, com recursos provenientes de crimes.
Na sessão, ontem, a maioria dos deputados que discursou se mostrou contra a matéria. Um dos poucos a defender a ideia, o líder do governo na Câmara, José Guimarães, disse que a proposta não tinha nada de imoral.
O requerimento de adiamento, apresentado pelo PSDB, acabou aprovado por 193 votos contra 175 e a tendência é que o projeto seja novamente analisado na próxima semana — provavelmente com alterações. Após a retirada de pauta, alguns deputados da oposição comemoraram rasgando cópias da proposta.
Autor do requerimento, Daniel Coelho (PSDB-PE) disse que o governo repassa argumentos falsos para aprovar a matéria:
— Se o dinheiro está no exterior e não é obrigada a comprovação de origem, quem me garante que o recurso não é proveniente do tráfico de drogas, de armas, de pessoas ou de qualquer outra forma de crime, como a corrupção que tem sido praticada neste país?
O projeto de repatriação foi enviado pelo governo ao Legislativo e permitiria a legalização de dinheiro remetido para o exterior, desde que fosse decorrente de sonegação fiscal, evasão de divisas ou lavagem de dinheiro relacionado ao envio desses valores. O objetivo era arrecadar R$ 11 bilhões com o pagamento de Imposto de Renda e multar quem obteve o dinheiro legalmente no Brasil e o escondeu da Receita.
No entanto, o relator, deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), fez uma série de alterações, incluindo recursos decorrentes de qualquer lavagem de dinheiro, caixa dois, descaminho, falsidade ideológica e formação de quadrilha relacionada diretamente a esses crimes. Acrescentou anistia aos envolvidos. Ou seja, as informações não poderiam ser usadas nas esferas criminal, administrativa, tributária e cambial para fins de processo e investigação.
— Isso é uma anistia ampla, geral e irrestrita. É uma rota de fuga absoluta de qualquer punição — reagiu o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ).
Governo negocia com relator
O governo tentou negociar com o relator mudanças no relatório, mas só houve entendimento após o adiamento. Manoel Júnior se comprometeu a retirar do rol de crimes passíveis à adesão ao programa dinheiro proveniente de caixa dois, de associação criminosa e o uso de documentos falsos. Apesar do acordo, o relator incluiu, por exemplo, a permissão para retornar ao Brasil material genético para reprodução animal produzido a partir de dinheiro remetido ao exterior, joias, obras de arte e softwares e patentes, difíceis de estimar o valor.
Os tucanos entraram com o pedido como forma de obstruir a votação, mas não achavam que teriam resultado favorável. No entanto, dissidências na base aliada, lideradas por deputados do PT e do PCdoB, impediram o avanço da matéria. Além deles, houve dissidências no PMDB, PSD e PR. Somente o PROS votou integralmente com o governo e o PRB que teve um único deputado contrário. Dos 193 votos, 76 foram da base aliada.
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