sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Aula de cinismo – Editorial / Folha de S. Paulo

Em termos incisivos, o PT deu a conhecer um documento no qual busca refrear, para consumo de sua militância, o processo de desmoralização que o acomete.

Os argumentos da cartilha são conhecidos. Teria sido criada uma mitologia em torno do mensalão, tendo alguns vereditos do caso sido inspirados por uma "teoria estranha à jurisprudência brasileira", a do domínio do fato.

O raciocínio nem sequer mereceria ser levado em consideração; a teoria é de aceitação inconteste quando uma organização complexa tem a dirigi-la personagens que não participam diretamente das operações ilegais.

Mas o PT não se anima a exumar as antigas teses que visavam inocentar, entre outros, Henrique Pizzolato, João Paulo Cunha e José Dirceu; quanto a este, com efeito, parece ter desistido de celebrá-lo como "guerreiro do povo brasileiro", dado o acúmulo de evidências de que seu comportamento equivaleria ao de um corrupto vulgar.

A propósito da Operação Lava Jato, que investiga os desvios bilionários na Petrobras, recupera-se o arcabouço conceitual que fazia do mensalão apenas um episódio de "recursos não contabilizados" transformado, por perseguição política, em "escândalo midiático".

Afirma-se que o PT não fez nada de diferente dos demais partidos ao aceitar doações de empreiteiras. Laboriosas tabelas são apensadas à cartilha, a fim de diluir o que há de específico no esquema.

O que caracteriza as práticas apuradas na Lava Jato, porém, é que um sistema de doações legais funcionou, ao que tudo indica, como simples etapa em sofisticado processo de lavagem de dinheiro.

Foram os cofres da estatal, e não de empresas particulares, a fonte utilizada para alimentar o caixa do PT, com "pixulecos" confessos e sobras milionárias servindo para desfrute particular de alguns.

A dinâmica da pilhagem, assim como o mensalão, é de resto suprapartidária: capitaneada pelo governo petista, a máquina de financiamentos e dilapidação do patrimônio público serviu a peemedebistas, pepistas e outros para constituir a base de Lula e Dilma Rousseff.

Mas o PT se faz de única vítima de uma conspiração de classe. Tende a diminuir cada vez mais, é claro, o número dos que acreditam nesse tipo de versão –e que esqueceram, talvez, a época em que a sigla se mostrava intransigente guardiã da moralidade pública.

A política do interesse ético geral substitui-se agora pela política da identidade: "somos perseguidos pelo que somos". Não se trata de ser ou não ser, de perseguir ou não perseguir. Trata-se do que o Partido dos Trabalhadores faz e fez, desde que se apoderou de um Estado a que destrói com voracidade, cinismo e prepotência.

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