O debate sobre a legalidade da prisão do senador Delcídio do Amaral, sem entrar no mérito de seus crimes revelados na gravação feita pelo filho de Nestor Cerveró, agita os meios jurídicos que, desde o julgamento do mensalão, está às voltas com decisões inabituais pelo Supremo Tribunal Federal, que passou, em casos específicos, a tomar decisões com base em interpretações da Constituição que saem do tradicional, colocando os advogados criminalistas em oposição a essas decisões.
No caso atual, a alegação é que o senador Delcídio do Amaral não poderia ser preso pelo estrito dizer da Constituição. Mas isso seria decretar a impossibilidade de punir um crime evidente, dar a um criminoso a proteção da Justiça quando a lei foi feita para protegê-lo e à democracia, quando no exercício de seu mandato, e não em situações de evidente delito como aquela flagrada na gravação.
Aliás, alega-se também que a gravação, tendo sido feita à revelia de Delcídio, não poderia ser usada como prova contra ele, ponderação que os ministros da 2ª Turma não levaram em conta. Em casos como esse, no entanto, o senador estaria se utilizando da democracia para atentar contra ela, e a Justiça tem que ter meios para reagir a isso.
Foi o que a 2ª Turma do STF fez ao interpretar a Constituição. É o que o STF está fazendo desde o mensalão. Os criminalistas alegam que, mesmo considerando a natureza do crime de organização criminosa como permanente, o fato de ser permanente não permite a prisão em flagrante a qualquer momento.
Quando um crime é inafiançável a lei diz expressamente, alegam, citando os crimes inafiançáveis: racismo, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático. (Art.5º, incisos XLII, XLIII, XLIV, da CF).
Não é o fato de caber prisão preventiva que torna um crime inafiançável, contestam. No mais, por que justificar essa suposta inafiançabilidade com o fato de ser possível a prisão preventiva, se o senador não pode ser preso preventivamente? O ministro Teori Zavascki, na última página da decisão, diz “decreto a prisão cautelar. Expeça-se mandado de prisão.”
Só existem dois tipos de prisão cautelar: prisão temporária e prisão preventiva. Prisão em flagrante não tem natureza cautelar. Se ele tivesse sido preso em flagrante teria de ter sido lavrado um auto de prisão em flagrante e deveria ter sido realizada uma audiência de custódia — do senador com o próprio Teori, o que não houve.
Mas há constitucionalistas, como Gustavo Binenbojm, agora professor titular da UERJ, que interpretam a decisão do Supremo de maneira positiva. O que o STF talvez considere, pondera ele, é que aquela prerrogativa do art. 52, parágrafo 2º, da Constituição exige é a prisão em flagrante por crime inafiançável, como título jurídico original da privação da liberdade.
Após o referendo dado pelo Senado, o que aconteceu nas 24 horas seguintes, o STF fica autorizado a prolongar a prisão em virtude da presença dos requisitos legitimadores da prisão preventiva, como única maneira de impedir que o preso volte a tentar obstaculizar as investigações da Lava-Jato.
Afinal, por que o art. 53, parágrafo 2º, admite a prisão em flagrante do parlamentar quando em questão a prática de crime inafiançável? Qual o sentido finalístico dessa norma? A meu ver, diz Binenbojm, só pode ser o de permitir a interrupção da prática delitiva e, por extensão, impedir que o parlamentar possa, imediatamente após ser detido, ser posto em liberdade e colocar em risco a persecução penal, até em função do poder inerente à sua condição de parlamentar.
Assim, caberá ao STF acompanhar as circunstâncias envolvidas nas investigações do caso e avaliar, permanentemente, a necessidade da manutenção da prisão, à luz dos requisitos legais da prisão preventiva. O entendimento contrário — de viés literal e formalista, classifica Binenbojm — levaria ao esvaziamento do sentido finalístico da prisão em flagrante do parlamentar, pois ele teria que ser sempre libertado imediatamente após a prisão, configurando quase uma contradição em termos.
O sistema admitiria a prisão do parlamentar, mas o preso teria que ser imediatamente libertado, sem possibilidade de o Judiciário (no caso, o STF) avaliar a necessidade da subsistência da prisão para preservar a persecução penal. Por evidente, comenta Binenbojm, a Constituição não pode ser interpretada de forma a institucionalizar a impunidade e retirar a credibilidade das instituições do Estado democrático de direito.
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