A prisão do banqueiro André Esteves, bem como a de outro jovem empreendedor brasileiro, o presidente da maior empreiteira nacional, Marcelo Odebrecht, são dois episódios que ilustram dramaticamente, por um lado, a ameaça representada pelo perigoso caminho pelo qual o ainda incipiente capitalismo brasileiro está enveredando e, por outro, como boa notícia, a surpreendente solidez das instituições democráticas de um país que ainda há 30 anos vivia sob regime de exceção.
Embora atuando em áreas distintas, André Esteves e Marcelo Odebrecht têm perfis semelhantes como empreendedores, caracterizados pela antevisão, autoconfiança e agressividade com que atuavam no mercado, não hesitando em enfrentar aquele que é certamente o maior desafio com que se depara o verdadeiro empreendedor – o de correr riscos.
Mas a trajetória de ambos, como os acontecimentos dos últimos tempos tristemente revelam, converge para o ponto em que a proatividade se confunde com a perda de escrúpulos, em que a ação do empreendedor intrépido se embaralha com a do negociante mesquinho que julga que o poder do dinheiro lhe confere o direito de se colocar acima da lei. Assim, em vez de servirem como exemplo e estímulo, como autênticos e modernos líderes da economia de mercado, Marcelo Odebrecht e André Esteves acabaram se revelando como forças do atraso. De dentro para fora da atividade empresarial, desmoralizam a iniciativa privada como força motriz do progresso num ambiente de liberdade garantido por instituições democráticas voltadas para a promoção da justiça e da paz social.
O maior desafio das sociedades modernas – em especial do ponto de vista de uma nação com as raízes históricas e culturais como as nossas – é encontrar o ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o social, em transformar este em beneficiário daquele, sob o primado democrático da igualdade de direitos e de oportunidades.
Numa sociedade livre, a responsabilidade de promover o desenvolvimento, criando riqueza, não cabe primordialmente ao Estado, mas à ação empreendedora de homens e mulheres movidos pela ambição legítima e criadora e pela rara capacidade de atuar como mobilizadores e articuladores das complexas forças do mercado.
Tal ação, no entanto, deve estar claramente limitada pela lei, além de ser institucionalmente garantida. Essa é a grande responsabilidade pela qual o verdadeiro empreendedor deve ser reconhecido e recompensado.
Se sua atividade se pauta pelo rigoroso cumprimento de contratos, o verdadeiro empreendedor deve ser, antes e acima de tudo, um obediente servo da lei. A partir do instante em que se julga no direito de se prevalecer do poder econômico e do peso social de seu negócio para estabelecer as regras do jogo de acordo com suas próprias conveniências, o grande empreendedor se iguala, perante a lei, ao pequeno delinquente, que hipocritamente alega, como atenuante, a necessidade social de levar comida para casa.
Marcelo Odebrecht e André Esteves – principalmente este, que construiu ele próprio seu império financeiro – deveriam ser heróis da economia de mercado e exemplos a serem seguidos por quem ambiciona vencer no mundo dos negócios. Não são. Não há mérito nenhum nos artifícios criminosos de que são acusados – e, no caso de Odebrecht, já condenado. Na verdade, pela posição que ocupavam na sociedade, eles são peças-chave da forte crise moral que se abate sobre o País.
O infortúnio de André Esteves e de Marcelo Odebrecht, que pouco tempo atrás eram considerados figuras intocáveis, revela ainda a enorme vantagem que a economia de mercado numa sociedade democraticamente organizada leva sobre o modelo estatizante que, tendo se demonstrado incompetente em todo o mundo, ainda embala o sonho de populistas. Na economia de mercado, os corruptos, qualquer que seja sua posição social, podem acabar atrás das grades. Nos regimes fechados, a nomenklatura está acima e além da lei, ao contrário dos cidadãos comuns, vigiados, controlados e amordaçados.
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