• Em meio à crise política, à tragédia na economia, à lama e à microcefalia que avança, há algo de muito novo surgindo no País
- O Estado de S. Paulo
Os caciques do Senado passaram o dia inteiro maquinando o voto secreto e o relaxamento da prisão do líder do governo, Delcídio Amaral, mas, no frigir dos ovos, o resultado foi oposto: voto aberto e a manutenção da prisão por 59 votos a 13. Mais do que o corporativismo, pesou a presença da mídia e a pressão das redes sociais. À autopreservação da instituição, somou-se a autopreservação individual. Quem venceu foi... você!
De todos os partidos, só um votou pelo voto secreto: o PT. Quem diria?! Enquanto o presidente do partido, Rui Falcão, assinava nota declarando publicamente que não devia “qualquer solidariedade” ao líder do governo, a bancada petista agia em sentido contrário. Dos 13 votos contra o Supremo Tribunal Federal e a favor de tirar Delcídio da cadeia, nove foram do PT. Se não foi em cumprimento a uma ordem superior da direção, por que seria? “Eu posso ser você amanhã”?
Unidos ao PMDB na alegria do poder e na tristeza de julgar um companheiro, os petistas confundiram-se com Renan Calheiros e Jader Barbalho na apologia do voto secreto e com Fernando Collor no voto para livrar a cara de Delcídio, apesar de tudo.
Rede, DEM, PSB, PRB, PSD e PSDB encaminharam pelo voto aberto e o PMDB, ora, ora!, liberou a bancada para votar como bem entendesse. O inusitado ficou por conta do PDT. Telmário Motta decretou o voto secreto, mas Cristovam Buarque passou-lhe a rasteira com a maior elegância: pegou o microfone e, ironicamente, agradeceu a sua grandeza por “liberar a bancada”, já que ele próprio, fulano e beltrano votavam pelo voto aberto. Motta engoliu em seco e ficou por isso mesmo.
Como lembrou o jovem senador Randolfe Rodrigues, da Rede, ministros do Supremo são nomeados pelo presidente da República e têm cargo vitalício, mas senadores chegam aonde chegam pelo voto do povo brasileiro. Faz uma diferença danada. Se até os ministros já sucumbem daqui e dali à pressão que vem de fora para dentro, imagine quem depende do voto de quatro em quatro anos (deputados) ou de oito em oito (senadores)?
As manifestações de junho de 2013 não foram um episódio que brilhou intensamente e se apagou melancolicamente. Foram um marco, porque a sociedade brasileira foi para as ruas, mostrou a sua força e nunca mais recuou. Além das outras manifestações pelas capitais e cidades do interior, as pessoas estão nas redes, na imprensa, na mídia. Cobram, pressionam, tensionam. A votação de 25 de novembro de 2015 no Senado mostrou que não é em vão.
Emergem tanto o protagonismo de Sua Excelência, o eleitor, quanto um novo protagonismo de Sua Excelência, o parlamentar que tem princípios e coragem pessoal para remar contra a maré corporativista ao encontro do mar de insatisfação da sociedade.
Randolfe, Cristovam, Luiza Erundina, Mara Gabrilli, Jarbas Vasconcellos, Chico Alencar e tantos outros que, em vez de seguirem tudo o que “seu” mestre mandar, seguem suas consciências e ouvem o que seu eleitor tem a dizer. A união dessa minoria com a grande maioria do País é que faz a força.
Essa força tende a pesar nesta semana na direção da cassação de Delcídio e de Eduardo Cunha no Senado e na Câmara, como já norteia a tramitação da nova CPMF. Mas o principal é que a união da maioria de fora com a minoria de dentro respalda o vigor das instituições brasileiras, capazes de confrontar uma história e séculos de injustiça e fazer valer o princípio de que a Justiça é igual para todos.
Começa a parecer trivial, aqui dentro, que um banqueiro como André Esteves esteja entre as grades. Mas, lá fora, agentes políticos e financeiros já anotam que algo está mudando neste país. Em meio à crise política, à tragédia na economia, à lama de Mariana e à microcefalia que avança, há algo de muito novo surgindo no horizonte do Brasil.
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