• Entrevista. Para Sergio Fausto, do Instituto FHC, futuro do partido requer superação de ambições políticas
Por Cristiane Agostine – Valor/ Cenários – Como desatar?
SÃO PAULO - A crise política que atinge o PT e o governo da presidente Dilma Rousseff é a grande chance para o PSDB dar uma guinada para o centro-esquerda, ocupar o espaço político deixado pelos petistas e retomar valores progressistas, "longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas", como diz o programa tucano, de 1988. Essa é a análise do cientista político Sergio Fausto, superintendente executivo da Fundação Instituto FHC. O sentimento de antipetismo levou o PSDB para perto de grupos mais conservadores e é essencial os tucanos se descolarem da direita para conseguirem ampliar sua base social, diz o cientista político.
A despeito de no próximo ano a disputa pela Prefeitura de São Paulo, principal cidade do país, ter como possível candidato tucano o empresário João Doria Junior - defensor do Estado mínimo e da ampliação das privatizações até mesmo para saúde e educação -, Fausto mantém a aposta de que o PSDB pode rumar à esquerda.
O futuro do partido depende de as lideranças tucanas agirem unidas e não fraturarem o PSDB de acordo com suas ambições políticas, diz o cientista político. O problema, afirma, é que o PSDB enfrenta uma "rarefação ideológica e programática", perdeu densidade e não tem "visões, mas sim personalidades". "Hoje não tem escolas de pensamento do PSDB", diz.
Próximo ao ex-presidente Fernando Henrique, Fausto defende que o PSDB se una em torno do impeachment de Dilma e defina qual será sua participação no governo que suceder a presidente. Os tucanos devem alinhavar um acordo com o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), com o compromisso de o pemedebista não se candidatar em 2018, diz Fausto. O senador Aécio Neves (MG), que representou o partido em 2014, não necessariamente será o candidato em 2018, analisa. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor.
Valor: O senhor avalia que Dilma terminará o mandato?
Sergio Fausto: Acho que não. Tem uma convergência de fatores, com poucos precedentes na história brasileira, que vai se materializar no primeiro semestre de 2016 e jogará o país numa recessão econômica com reflexos na renda e no emprego. Isso em um governo com baixa popularidade, sem capacidade de organizar a sua base no Congresso e sem capacidade de resposta para a crise que vai piorar. Paradoxalmente, o processo acolhido por [Eduardo] Cunha cria uma chance para a presidente construir uma narrativa em que ela se transforma em alvo da ação de um presidente da Câmara envolvido em malfeitos, com pouca legitimidade. Assim, abre espaço de luta política para as forças empenhadas em manter a presidente. Mas os fatores estruturais são de tal ordem que não vejo como Dilma sobreviver.
Valor: O governo aposta na celeridade do impeachment para encerrar uma disputa que começou em 2014. É possível reverter essa situação?
Fausto: Sou cético. O governo terá dificuldade de controlar o timing do processo. A oposição, ao contrário, tem interesse em fazer o processo se alongar porque aposta no agravamento da crise. Os setores mais oportunistas que apoiam o governo querem arrancar o que resta desse processo. Para esses setores, quanto mais durar, melhor.
Valor: O senhor avalia que é possível Cunha continuar no cargo?
Fausto: Não. A Procuradoria-Geral da República (PGR) tinha o pedido de afastamento do Cunha preparado e foi essa uma das razões pelas quais ele precipitou o acolhimento do pedido de impeachment. Ele perdeu inteiramente as condições. Vamos viver um processo em sequência de substituição do presidente da Câmara em meio ao processo de impeachment. Não vejo Cunha conduzindo esse processo até o final.
Valor: A PGR pediu o afastamento de Cunha do cargo. Caso o Supremo aceite o pedido, o impeachment tende a perder força?
Fausto: A fundamentação do pedido de impeachment independe de quem seja o presidente da Câmara. O eventual afastamento de Cunha pode inclusive fortalecer a legitimidade do processo aos olhos da sociedade.
• Muitas vezes o governo cai não por ilegalidade, mas pela total incapacidade de governar
Valor: A economia continuará em recessão em 2016. A oposição tem interesse em assumir o país durante a crise ou seu objetivo é 'sangrar' o governo até 2018?
Fausto: Não tem essa escolha. A ideia de crise em 'slow motion', em que se controla a velocidade, é uma fantasia. O governo é incapaz de dar resposta. Mas a oposição também ficará engessada com esse cenário. A oposição precisa apontar um caminho e construir uma ponte entre o presente e o futuro. Terá de trabalhar pelo impeachment e pela construção de uma agenda de governo, na eventualidade de o impeachment se consumar.
Valor: O desemprego e a inflação aumentaram, mas isso não gerou uma revolta nas ruas. O que poderia levar a uma onda de protestos contra o governo?
Fausto: O processo de impeachment e o agravamento da situação social, com o aumento do desemprego. Abriu-se uma disputa política que não é só no Congresso nem na mídia. Não ficará restrito ao mundo da política institucional. Abriu-se um terreno de disputa política pelos corações e mentes e isso terá expressão nas ruas. O importante é que havendo mobilização da sociedade, ela se dê em termos pacíficos. É importante que no Congresso o processo cumpra os ritos da legalidade. O país está bem equipado porque tem o STF autônomo e vigilante.
Valor: A força que o PT teve em 2005, com o mensalão, para mobilizar suas bases tende a repetir?
Fausto: O PT não tem mais o monopólio das ruas. Perdeu força para mobilizar sua base e isso vai fazer falta. O partido cruzou fronteiras inaceitáveis, sobretudo porque se dizia portador da bandeira da ética, e parte dos apoiadores se desiludiu. Um pedaço grande da classe média, da juventude não responde mais às palavras de ordem do PT. Tem um conjunto de movimentos sociais que não aceitou a virada da política econômica. E tem aqueles que eram alimentados por recursos públicos e esses recursos secaram. É evidente que a ameaça de impeachment pode dar um fôlego adicional ao partido. Como em uma metáfora futebolística, é a prorrogação. Você está cansado, mas é a prorrogação de uma final de Copa do Mundo e você se lança.
Valor: Como essa crise do PT abre perspectivas para a direita?
Fausto: O PT fez aparecer uma direita que tinha uma expressão menos visível. Tem um lado que é o preconceito de classe que Lula despertava. É da natureza do conservadorismo reagir à mudança de elite política. Mas a essa rejeição inicial, que era pequena, se juntou um sentimento de repulsa ao PT, porque o partido adotou as piores práticas da elite que substituiu. Isso provocou uma reação forte e parte disso é a expressão de um pensamento de direita. Mas é errada a ideia de que tem uma direita muito expressiva no Brasil.
Valor: O PSDB está cedendo à tentação das forças conservadoras?
Fausto: Esse risco existe. Seria um equívoco não apenas porque nega a trajetória do partido, mas porque as demandas sociais e eleitorais permitem uma resposta de centro-esquerda. É bobagem embarcar em uma plataforma "Deus, ordem e mercado", que seja ultraliberal na economia e ultraconservador em temas relacionados à moralidade e segurança. Não é uma plataforma ganhadora e, mais importante do que isso, não é a origem do PSDB nem é a história do partido até aqui. O PSDB foi empurrado para a direita, por conta da ocupação do espaço político pelo PT da esquerda para o centro. Tem uma parte do sentimento de antipetismo que é de direita e isso levou o PSDB para perto desses grupos mais conservadores. A crise do PT reconfigura a distribuição de forças no espectro político e abre espaço do centro-esquerda para o PSDB ocupar. Faz sentido do ponto de vista político-eleitoral, mas depende das lideranças.
Valor: O PSDB deve apostar no espaço do PT no centro-esquerda?
Fausto: Sim. Com a crise do PT esse espaço está presente. Qual é a força à direita que compete com o PSDB? Não tem. Aprendemos ao longo dos últimos 20 anos que a economia de mercado se mostrou muito mais eficiente do que qualquer outro experimento de organização da produção, assim como se provou que tem falhas que podem ser supridas pelo Estado. É no entrosamento entre mercado e Estado que as soluções para os problemas contemporâneos vão aparecer. Nas áreas sociais, vamos discutir como é que organizamos a participação do Estado, do mercado e do terceiro setor nas grandes áreas que o Brasil precisa progredir de uma maneira mais veloz.
Valor: O PSDB poderá lançar em São Paulo, em 2016, João Doria Junior, defensor da privatização e do Estado mínimo. É possível as lideranças tucanas apoiarem essa mudança de rumo do partido?
Fausto: Sem entrar na discussão de candidaturas, não creio que a ideia de "Estado mínimo" nos leve muito longe. Em nenhum país razoavelmente organizado e desenvolvimento do mundo existe um "Estado mínimo", a começar pelos Estados Unidos. O que varia são as áreas de atuação prioritária do Estado, a sua forma de fazê-lo, o modo pelo qual regula o setor privado, de que maneira e até que ponto a sociedade o controla, qual o tamanho e a estrutura da tributação e do gasto público. É isso que interessa discutir.
Valor: O PSDB é marcado por visões distintas entre suas lideranças. Como o senhor vê a perspectiva de os três líderes do PSDB fraturarem o partido em três para perseguir suas ambições políticas?
Fausto: Não acho que seja problema de visões muito distintas. Não sei se tem visões. Tem personalidades. O partido perdeu densidade. No passado, podia se falar em visões que vinham de uma certa elaboração política. Tinha uma tradição de democracia cristã, da qual [André Franco] Montoro era representante. Havia um pensamento político por trás disso. Tinha um setor mais popular nacional; [Mário] Covas era expressão disso, e tinha um setor social democrata à moda europeia, que [José] Serra e Fernando Henrique [Cardoso] representavam. Naquele tempo tinha visões muito convergentes. Hoje não tem escolas de pensamento do PSDB. Tem algum consenso básico do que fazer. Não tem grandes divergências ideológicas dentro do PSDB. Tem rarefação ideológica, rarefação programática. Tem disputa de lideranças no partido - que é perfeitamente normal e aceitável até o ponto de se tornar destrutiva. O aprofundamento da crise lançou um alerta que o sucesso do PSDB depende de atuar de maneira coesa. Vai continuar na briga individual ou vai olhar para a crise? A força da situação obriga o partido a ser mais convergente e unitário.
Valor: As lideranças entenderam esse alerta, inclusive Aécio?
Fausto: O PSDB tem lideranças com ambições pessoais e é um partido em que as instâncias coletivas de decisão, as formais pelo menos, não têm o peso que deveriam ter. Essa disputa em torno de individualidades ganha mais fôlego. Mas o partido tem gente experimentada, capaz de entender a situação que o país vive. Há cenários plausíveis como [Geraldo] Alckmin ir para o PSB, o Serra ir para o PMDB. Não digo que isso não esteja no horizonte, mas no frigir dos ovos, não é o que vai acontecer.
Valor: Com essa rarefação ideológica, o PSDB não pode perder oportunidade de crescer? Precisa de uma 'refundação'?
Fausto: O PSDB precisa de um sacolejão e tomara que a crise seja essa sacolejada. O partido deve agir enquanto partido. O PSDB não está chegando a essa conclusão por si próprio, mas porque está sendo forçado a agir. Se não agir em uma circunstância histórica como essa, o PSDB se perderá no meio do caminho.
Valor: Qual seria a melhor ação para o PSDB neste momento? Lançar programa para o governo?
Fausto: Precisa ter um programa mínimo para fazer a transição. Vai votar pelo impeachment? Vai. Se Dilma cair e Temer assumir, qual é a posição do partido? Participará do governo? Tem que participar, formar uma coalizão. Em torno de que pontos? O PSDB precisa responder. O processo de impeachment só se conclui se os atores sociais, sobretudo os que têm mais poder, tiverem segurança do que vem depois.
Valor: O senhor defende um acordo com o PMDB para 2018?
Fausto: O acordo é simples: Temer se comprometer a não ser candidato. O resto é da política. Mas o PSDB não pode ter a desconfiança de que apoiará Temer e que ele promoverá depois sua própria candidatura. Não dá.
• Não tem grandes divergências ideológicas no PSDB. Tem rarefação ideológica, rarefação programática
Valor: O senhor defende uma guinada ao centro-esquerda e, ao mesmo tempo, aliança com o PMDB. O programa apresentado pelo PMDB defende a flexibilização dos direitos trabalhistas, o fim da vinculação da aposentadoria ao salário mínimo e o fim da vinculação constitucional para gastos com saúde e educação. O senhor concorda com esse programa?
Fausto: Acho que precisa passar uma mão de tinta social democrata no programa. Tem que reduzir as vinculações, mas acabar com todas as vinculações não é factível.
Valor: Como o PSDB pode se transformar em uma alternativa viável para 2018? E o PMDB?
Fausto: O partido é viável eleitoralmente, mesmo com essa ausência ideológica. Tem três nomes nacionais. Quem tem nome nacional são só PSDB e PT. Isso em geral leva mais de uma eleição e é um trunfo eleitoral imenso. Muita coisa pode acontecer, há insatisfação com o PSDB, mas é favorito para 2018. Sempre esteve na oposição ao PT e disputas eleitorais tendem a ser binárias. No PMDB quem seria o candidato? Eduardo Paes? Sou cético. O caminho natural do Paes é ser candidato a governo do Rio.
Valor: Como o senhor vê o papel do Lula hoje? Para o governo Dilma, Lula tende a ser mais um fator de estabilidade por sua ação política ou de instabilidade, já que investigações se aproximam dele?
Fausto: Lula é muito importante para a sustentação do governo, porque é a única hipótese de esse bloco de forças que já está muito desmantelado se reorganizar no mercado futuro do poder. Mas ele vem num processo de perda de poder acentuada. Onde isso vai terminar depende de muitos fatores, inclusive da Lava-Jato.
Valor: De que modo a Lava-Jato pode aprofundar a crise em 2016?
Fausto: Com a prisão do Delcídio [Amaral], do [José Carlos] Bumlai, com a delação premiada do [Nestor] Cerveró, a operação entrou numa fase com muita contundência e provocará terremotos no sistema político, particularmente no PT e PMDB. Essa é outra questão: qual é o PMDB que estará de pé para governar o país? É uma pergunta relevante para o PSDB. No quadro que está desenhado é um PMDB em que a figura do vice-presidente sai fortalecida.
Valor: Isso interessa ao PSDB?
Fausto: Interessa porque Temer tem um perfil condizente com a necessidade do momento, é uma pessoa que tem ambições políticas comedidas do ponto de vista eleitoral. É um homem maduro, não tem obsessão por ser presidente da República, não se deixará encantar pelo fato de ocupar o Palácio do Planalto. Ao encerrar uma carreira política como presidente do Brasil, ajudando a fazer uma transição, escreverá o nome dele na história. Não se valerá dessas circunstâncias excepcionais para catapultar uma candidatura própria.
Valor: Caso o impeachment não se viabilize, há risco de debandada de partidos da base, como o PMDB, em 2016?
Fausto: Se Dilma continuar no cargo, significa que se transformará em presidente com força para comandar o país? Não acredito. O PMDB vai manter seu padrão habitual, dividido, com uma parte dentro, outra fora. Não afasta a hipótese de que a presidente seja inviabilizada de permanecer no governo pelo simples fato de não conseguir mais governar. Muitas vezes o governo cai não por ilegalidade, mas pela total incapacidade de governar. Ainda que garanta sua permanência até o final, será um governo medíocre.
Valor: No Congresso, o PSDB penderá mais para a coerência com o passado ou para a luta para derrotar o PT, mesmo que prejudique o equilíbrio das contas públicas?
Fausto: O PSDB já mudou nesse aspecto. Na questão da DRU [Desvinculação de Receitas da União], o PSDB disse que se trata da gestão das contas do Estado, não de ser contra ou a favor do governo. É uma percepção de que aquela trajetória anterior não deu bons resultados para o partido e também por saber que o partido está na possível iminência de assumir um governo. Como é que vai atuar para solapar o terreno que está prestes a pisar? Não faz sentido.
Valor: Aécio será o candidato?
Fausto: É prematuro dizer isso. O PSDB tem bons candidatos, Serra e... Geraldo e Aécio. É cedo.
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