• Políticas equivocadas jogam o país diante da perspectiva de ter mais uma "década perdida", saudades dos anos 1980
- Valor Econômico
Há cerca de um ano, na última divulgação do Boletim Focus de 2014, as previsões dos analistas para 2015 já não eram nada brilhantes. Previa-se em média um crescimento do PIB de 0,55%, uma inflação de 6,53% e um taxa de câmbio de R$ 2,80 em relação ao dólar americano no final do ano. Mas, a realidade acabou sendo muito pior. O ano passado ficou marcado por uma forte queda do PIB (em torno de 3,7%) e uma inflação que chegou perto dos 11%. Foi mais um ano perdido para os brasileiros, em que foram destruídos mais de um milhão de empregos formais, um indicador negativo que não ocorre há décadas.
Muitas coisas deram errado. A escolha de Joaquim Levy para Fazenda indicava que Dilma havia finalmente optado por abandonar a irresponsabilidade fiscal que marcara seu primeiro mandato. Porém, as expectativas otimistas logo se frustraram, diante da fraqueza política do governo em obter do Congresso Nacional as medidas necessárias para o ajuste fiscal. Logo essa frustração se transformou em desânimo quando se tornou claro que Levy tinha virado alvo de setores petistas viúvos da dupla Mantega e Augustin. Em meio à crise política, as expectativas desabaram continuadamente ao longo de 2015. O Brasil perdeu o grau de investimento. Como consequência de tudo isso, a economia padeceu, em 2015, simultaneamente de dois males terríveis: recessão e inflação.
As más recordações do ano terrível de 2015 poderiam ser mitigadas se as expectativas para o Ano Novo fossem otimistas. Infelizmente, não é assim. Voltando ao Focus, em sua derradeira divulgação de 2015, as previsões para 2016 são de continuidade da recessão e da inflação elevada. São esperadas uma queda do PIB de 2,7% e uma inflação de 6,5%. Com tais indicadores, o desemprego deve continuar aumentando ao longo do ano com um fechamento de vagas formais de trabalho em número igual ou superior ao observado em 2015.
O quadro pessimista para 2016 é fruto da combinação de dois fatores que se inter-relacionam. O primeiro é a absoluta incapacidade de os agentes econômicos anteciparem um cenário favorável no campo político. O processo de "impeachment" da presidente e as repercussões da "Lava-Jato" sobre as principais lideranças do Congresso sugerem um cenário conturbado e incerto totalmente desfavorável à adoção das medidas de ajuste e das reformas que se fazem necessárias para a normalização da economia. O segundo é o percebido enfraquecimento, no seio do próprio governo Dilma, da determinação de realizar o ajuste fiscal e de praticar políticas macroeconômicas responsáveis. O processo de fritura de Levy e sua substituição por Nelson Barbosa não sinalizam na direção da perseverança no ajuste, mas sim no rumo contrário, o do atendimento das reivindicações de setores do PT e dos governadores pela abertura dos cofres públicos à gastança geral.
Ao contrário do início de 2015, quando algum grau de otimismo ainda era possível, agora parece muito difícil crer numa virada favorável em 2016. Provavelmente, teremos mais um ano perdido para o Brasil. Para tornar as coisas ainda mais complexas, a inação no campo das reformas está levando as contas públicas a uma situação incontornável, tendo em vista as pressões demográficas sobre a Previdência Social e o crescente engessamento dos orçamentos públicos, prisioneiros de uma sociedade em que os incentivos para o "rent seeking" são crescentes. Além disso, as políticas equivocadas dos últimos anos e a ausência de investimentos estão derrubando o potencial de crescimento da economia brasileira, jogando o país diante da perspectiva de ter mais uma "década perdida" que pode deixar saudades dos anos 1980.
Em meio ao desastre de 2015, é possível pinçar alguns fatos positivos que podem ser de alguma valia na difícil caminhada de 2016. Os preços administrados foram ajustados. A balança comercial voltou a ter superávits e o déficit em conta-corrente diminuiu, tendência que deve se manter neste ano. A política fiscal ganhou maior transparência e grande parte das "pedaladas" foi regularizada em 2015. O Banco Central mostrou ter mais autonomia na política monetária. Caso o novo ministro da Fazenda tenha a convicção e o apoio para manter a responsabilidade fiscal e o BC continue a operar de forma autônoma, é possível que a queda da inflação em 2016 e a percepção de uma melhora relativa nas contas públicas possam contaminar positivamente as expectativas e abrir espaço para modesta recuperação da economia a partir do segundo semestre do ano.
De toda maneira não devemos ter maiores ilusões. Tal recuperação, se houver, terá caráter cíclico e não significará a retomada do potencial de crescimento, nem a mudança do regime fiscal brasileiro. O problema continuará sendo fundamentalmente o da ausência de percepção entre os agentes políticos da urgência e da necessidade de mudanças na economia brasileira, por meio de reformas que estimulem o aumento da produtividade e do investimento. Tal situação, lastimavelmente, não deverá mudar pelo menos enquanto o PT estiver no poder.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
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