Por André Guilherme Vieira – Valor Econômico
SÃO PAULO - A medida provisória 703 permitirá ao governo barrar o avanço das investigações da Operação Lava-Jato, garantindo que as empresas investigadas celebrem acordos sem revelar fatos novos, e que os partidos da base aliada preservem esquemas espúrios de financiamento ilícito. A avaliação é do procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da força-tarefa da investigação federal com base em Curitiba.
A MP alterou a redação da lei Anticorrupção, mitigando o risco de que empresas corruptas sejam declaradas inidôneas e, consequentemente, impedidas de contratar novamente com o Poder Público.
"É um retrocesso evidente. Infelizmente, o governo federal com a edição dessa medida provisória, introduziu um risco moral, pois, além de desincentivar o cumprimento da legislação com a mitigação da ameaça de aplicação imediata de sanções de inidoneidade, também deixou claro que não é do interesse do governo que o combate à corrupção avance sobre o sistema de poder econômico que sustenta a atividade político-partidária atual", afirma Lima.
Para o procurador, um dos principais estrategistas dos acordos de delação premiada e de leniência celebrados na Lava-Jato, com a edição da MP 703 o governo mantém os acordos sob o seu controle e passa uma mensagem clara às empresas: "O Poder Executivo não só manietou a Controladoria Geral da União (CGU), colocando-a sob o tacão da Advocacia-Geral da União (AGU), como também avisou todos os agentes econômicos que, caso necessário, ao invés de cumprir a lei, o governo federal fará tantas mudanças legislativas quanto necessárias para manter tudo como dantes".
Lima é categórico ao afirmar que a MP da leniência vai influenciar diretamente os trabalhos da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) para apurar a corrupção entre agentes políticos e econômicos.
"Essa medida provisória trará reflexo imediato no trabalho da força-tarefa Lava-Jato. Mas não um reflexo positivo, como seria de se esperar se essa medida fosse editada com base no interesse público. O que vai acontecer é um simulacro de procedimento perante a Controladoria-Geral da União", afirmou.
De acordo com Lima, a empresa pode escapar da inidoneidade "sem a entrega de dados novos sobre infrações e sem a obrigação, prevista na lei anterior, de que novos acordos com outras empresas somente poderiam ser celebrados se houvesse a apresentação de provas de novos crimes". A consequência, segundo Lima é que "todas as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras estarão livres de punições severas apenas com a admissão de sua responsabilidade em fatos já conhecidos".
Na opinião do procurador, está claro que o objetivo do governo federal é "evitar que novas empresas procurem o Ministério Público Federal para novos acordos de leniência, nos termos duros que buscam apenas o interesse público de se ampliar as investigações".
Ele condena a inserção facultativa do MPF como parte do acordo de leniência previsto na MP. "Somente o Ministério Público pode estabelecer se o conteúdo fornecido pela empresa leniente é suficiente do ponto de vista da prova, porque é o único órgão que possui a visão global das investigações, muitas delas realizadas sob sigilo de Justiça", disse, indagando em seguida: "como pode a CGU, ou a AGU, dizer que o acordo é suficiente em relação aos fatos investigados? ".
O procurador regional da República faz contundente crítica ao discurso repetido pelo governo federal de que é preciso "salvar" as empreiteiras flagradas em corrupção na Petrobras:
"Querem salvar essas empreiteiras? Então que suas ações sejam desapropriadas e que os valores devidos aos acionistas sejam bloqueados para o ressarcimento completo do prejuízo que esses mesmos acionistas causaram, na sua maioria, direta e dolosamente, ao patrimônio público. Depois, pouco a pouco, da forma que o mercado de ações permitir, essas ações podem ser democraticamente vendidas, com o retorno dos valores ao governo federal", propõe.
Para Lima, a intenção do governo está clara: "a pretensão verdadeira do governo, sob o 'non sense' de dizer que não se deve punir as empresas, mas sim os seus dirigentes apenas, é exclusivamente a de salvar o capital dos estimados financiadores das caríssimas campanhas eleitorais". O procurador afirmou que a lei anticorrupção deveria ser o começo de uma legislação mais ampla, que previsse também a responsabilidade penal da pessoa jurídica. "A Lei Anticorrupção existe sim para se punir empresas, existe sim para punir seus dirigentes, existe também para punir agentes públicos, sejam agentes políticos ou não. Ela deveria ser apenas o começo", afirmou.
Carlos Fernando dos Santos Lima considera ainda que o texto da MP da leniência é ambíguo, não deixando claro, por exemplo, se uma empresa por ela beneficiada estará isenta de eventual ação do MPF:
"Trata-se de uma redação propositadamente aberta, permitindo que as empreiteiras que venham a ser favorecidas pelo governo federal possam abrir inúmeras discussões judiciais acerca dos limites dos benefícios alcançados".
Três acordos de leniência com empreiteiras investigadas por corrupção na Petrobras foram firmados em 2015 com o MPF, antes da edição da MP 703. Eles envolvem a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e o Grupo Sog/Setal.
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