• A crise não poderá ser superada sem que o governo restabeleça o controle sobre as contas públicas
- O Globo
Assustado com as proporções da crise em que meteu o país e impotente para combatê-la, o governo vem sendo arrastado pelo desenrolar do desastre, ao sabor de um processo de deterioração do quadro econômico e social que não parece ter fim. O que hoje mais preocupa o Planalto é que o país, afinal, se dê conta de que a verdade verdadeira é que o governo perdeu controle da situação. Que a opinião pública perceba que, desgastada como está, a presidente não tem nem terá condições de conter, e muito menos de reverter, a gigantesca crise que ela mesma desencadeou.
Passados quase 14 meses do segundo mandato, o avassalador círculo vicioso de contração e desorganização da economia não dá sinais de ter perdido intensidade. Não bastasse a queda de 4% do PIB no ano passado, o que se prevê para 2016 é mais um ano de movimento recessivo de magnitude similar. Os 2,7 milhões de pessoas que perderam seus empregos nos últimos 12 meses são só o prenúncio do que vem por aí. A desocupação continua aumentando. E cada ponto percentual de elevação da taxa de desemprego significa hoje um milhão a mais de desempregados.
A crise não poderá ser superada sem que o governo restabeleça o controle sobre as contas públicas. E mostre que o crescimento explosivo do endividamento público poderá, afinal, ser sustado. Essa é a questão crucial. Impedir que a dívida bruta do setor público, que mal passava de 50% do PIB no começo do primeiro mandato da presidente Dilma, siga em trajetória insustentável e ultrapasse a marca de 80% do PIB já em 2018, como se teme.
Diante dessa alarmante deterioração do quadro fiscal, o ministro da Fazenda tem se permitido manter um discurso escapista, completamente alheio à urgência e ao alcance das medidas de ajuste que se fazem necessárias sem, contudo, conseguir disfarçar quão atarantado está com o rápido agravamento da situação.
No início do mês, o ministro ainda acreditava na possibilidade de ganhar tempo com um discurso propositadamente evasivo sobre a condução da política fiscal. Ciente de que o pífio contingenciamento de gastos que tinha para anunciar não teria boa repercussão, entendeu que o mais prudente seria adiá- lo para março. Mas, como o adiamento precipitou novo rebaixamento da classificação da dívida soberana brasileira pela Standard & Poor’s, o ministro decidiu dar o dito por não dito e anunciar às pressas, no dia seguinte, não só o contingenciamento de gastos que uma semana antes havia sido reagendado para março, como o plano de jogo da política fiscal em 2016.
A política fiscal que o ministro da Fazenda contempla para este ano é um despropósito, na contramão do ajuste que se faz necessário. Num quadro de crescimento explosivo do endividamento público, o ministro quer que o Congresso conceda ao governo um “espaço fiscal” de R$ 84 bilhões, em 2016, que lhe permita, se necessário, gerar um déficit primário de até R$ 60 bilhões em vez do superávit de R$ 24 bilhões, anunciado há poucos meses como meta fiscal do ano.
Na verdade, o ministro da Fazenda já alertou que esse “espaço fiscal” terá de ser ainda ampliado, para acomodar os custos de nova e generosa renegociação das dívidas dos governos subnacionais com o governo federal e seus bancos. A intenção do ministro é introduzir alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal que tornem essa renegociação viável nos próximos meses.
Quem quer que tenha acompanhado as trapalhadas recentes do governo na tramitação de projetos de seu interesse no Congresso só pode ver a iniciativa com enorme preocupação. Com a presidente Dilma fragilizada com está, a ponto de ter confiado a preservação de seu mandato à tropa de choque do PMDB fluminense, o mais provável é que, aberta a caixa de Pandora da reforma da Lei de Responsabilidade Fiscal, governadores e prefeitos façam gato e sapato do Planalto no Congresso e consigam aprovar as alterações que bem entendem.
Não há como ter ilusões. Com o quadro fiscal em deterioração em 2016, não há esperança de que a crise possa ser revertida.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC- Rio
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