- O Estado de S. Paulo
Não parece coerente nem factível o recente posicionamento do PT em favor de uma nova política econômica que faça o governo Dilma se afastar do “neoliberalismo”, dos juros altos e do ajuste fiscal, voltando aos velhos e bons tempos de Lula. Na sexta-feira, 26/2, divulgou um “Plano Nacional de Emergência”, destinado a demarcar distância das opções que o governo vêm adotando.
O partido tem procurado deixar claras as razões que o levam a esta posição. Dilma estaria rompendo com o projeto original e, com isso, não só aumentando seus atritos com a base social petista como abrindo espaços inconvenientes para um maior protagonismo oposicionista. Estaria pondo em risco o predomínio petista na política e a própria estabilidade do governo. A presidente se movimentaria mais para escapar do impeachment do que para valorizar as conquistas do PT, desvinculando-se assim do partido e deixando de ser solidária com suas agruras, e com as agruras de algumas de suas lideranças.
Falaram nesse tom Rui Falcão, Lindbergh Farias e Lula, entre outros. O senador carioca foi o mais enfático, numa entrevista que concedeu ao Estado de S. Paulodomingo, 28/2: “Minha tese é que a pauta que a Dilma está escolhendo vai contra a gente. É um movimento consciente por parte da presidente de se afastar das nossas políticas, dos nossos programas. A reforma da presidente colide diretamente com o movimento sindical, com as nossas bases”.
O remédio estaria num retorno à “política econômica do governo Lula”, ou seja, ao desenvolvimentismo centrado na criação de um mercado de consumo de massas e na alavancagem a partir de algumas poucas grandes empresas nacionais (Petrobrás, Vale, Odebrecht, OAS), beneficiadas com apoio e facilidades estatais.
O posicionamento partidário não é coerente porque aquela política econômica não foi particularmente favorável, não deu tão certo assim. Funcionou bem durante alguns anos, mas não ganhou sustentabilidade e foi-se degradando, em parte porque perdeu apoio dos setores do capital nacional que foram excluídos, em parte porque abriu as portas para a corrupção, em parte porque os termos do jogo econômico internacional mudaram. O projeto de poder que esteve sempre amarrado àquela política seguiu em frente, mas Dilma I já começou fazendo água e enfrentando dificuldades, que só se agravaram em seu segundo período governamental.
A hipótese de que a culpa por tudo teria sido da crise mundial e da China (o preço das commodities) ajuda a que se entenda o que ocorreu, mas não é suficiente para explicar o desarranjo que se instalou na economia nacional a partir de 2011, no início discretamente e aos poucos de forma mais ostensiva. O olho do furacão esteve sempre dentro do Palácio do Planalto e, creio, na própria formulação da matriz daquele orientação econômica. Boa parte do problema deve ser atribuída à corrosão (lenta, irregular, mas expressiva) da mega-aliança de classes entre o grande capital e o trabalho que os governos petistas promoveram, na expectativa de turbinar o capitalismo nacional, desenvolver a economia e distribuir renda.
Daí que o novo posicionamento partidário carece de factibilidade. Políticas econômicas não são operações técnicas, desconectadas de circunstâncias concretas, internacionais e internas. Dependem de apoios políticos e de uma articulação fina entre Estado, mercado e sociedade, ou seja, de uma sintonia entre interesses, expectativas e disposições existentes em cada um desses polos. Falta tudo isso hoje, tanto ao governo quanto ao PT. O mundo pede outras coisas e, dentro do país, o ruído é tão intenso que se pode dizer que cada segmento fala uma língua diferente.
As próprias grandes empresas, que alavancaram a política de Lula, estão rolando ladeira abaixo. O consenso social é frágil para tudo o que vier da área governamental. Para complicar, não há uma base parlamentar estável e forte o suficiente para legitimar eventuais mudanças de rumo. A própria militância histórica do PT está hoje rarefeita. Achar que a “pressão dos movimentos sociais” será suficiente é ingenuidade, por mais que eles possam fazer sua parte e pressionar.
O governo Dilma simplesmente não dispõe de condições objetivas para ser muito diferente do que é. Pode melhorar topicamente, mas só fará isso caso se articule melhor com outras forças políticas que não as da área estrita do peemedebismo e do petismo. Operação, evidentemente, complicada até de ser concebida.
Sobra então a conclusão de que o PT, com a nova orientação, deseja somente demarcar distância de Dilma, desobrigando-se de apoiá-la e buscando, com isso, manter uma ponte ativa com os movimentos sociais mais próximos do partido. Entrega alguns anéis para preservar os dedos e chegar mais inteiro às eleições deste ano e de 2018.
É uma aposta. Que, aliás, também pode estar sendo feita por Dilma, interessada em ganhar maior liberdade de ação. Acontece que o imbroglio todo é tão pesado que, com a movimentação de uns e outros, pode sobrar para todos. Ou seja, o desentendimento crescerá entre Dilma e PT, o governo continuará ruim e assistirá à desidratação de sua base parlamentar, a economia permanecerá girando em falso, o impeachment ganhará novo fôlego, com a volta do PMDB ao centro do palco, o PT perderá pontos nas eleições municipais e aprofundará sua crise. E, claro, a população pagará o pato.
De um ou outro modo, sairão todos chamuscados. O que mostra, mais uma vez, que quem não sabe construir unidade colhe tempestades.
Aguardemos os próximos episódios.
--------------------
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp
Nenhum comentário:
Postar um comentário