terça-feira, 1 de março de 2016

PF investiga se Santana comprou imóvel de laranja

• Apartamento já foi de diretor da holding da Odebrecht

Com 306m ² , quatro suítes, e a um custo de R$ 6 milhões, ele foi pago em parte com dinheiro de offshore não declarado pelo marqueteiro do PT

Um imóvel de luxo em nome do marqueteiro João Santana, pago em parte com dinheiro não declarado da offshore Shellbil, foi comprado de um suposto laranja, segundo a Lava- Jato. O apartamento, em São Paulo, de 306m ² , com quatro suítes e cinco vagas, vale R$ 6 milhões e pertenceu, por 24 horas, a Ruy Lemos Sampaio, diretor da holding que controla a Odebrecht, revelam Renato Onofre, Silvia Amorim e Tiago Dantas. Ruy Lemos vendeu o imóvel a Mauro Uemura, que morava em um apartamento de 84m ² , em bairro de classe média. O GLOBO localizou duas offshores em nome de Uemura e de sua mulher. Em defesa apresentada ontem, Marcelo Odebrecht argumentou que algumas das anotações em seu telefone são, segundo ele, a reprodução de pensamentos de terceiros.

Transação tortuosa

• PF investiga se Santana usou laranja na compra de imóvel que foi de executivo ligado à Odebrecht

Renato Onofre, Silvia Amorim, Tiago Dantas - O Globo

- SÃO PAULO- A Polícia Federal investiga se o marqueteiro João Santana comprou um apartamento em bairro de luxo de São Paulo de um laranja. O imóvel entrou no radar da Operação Lava- Jato porque foi pago com dinheiro não declarado da offshore Shellbil no exterior. Antes de pertencer ao suposto laranja, a propriedade foi de Ruy Lemos Sampaio, diretor da holding que controla a Odebrecht. Em outros negócios, também omitidos da Receita Federal, a empreiteira pagou o publicitário por meio da Shellbil.

O apartamento de 306 metros quadrados, com quatro suítes e cinco vagas de garagem no bairro Vila Nova Conceição, na Zona Sul da capital paulista, foi comprado por Santana em 17 de junho de 2013. Os antigos proprietários eram Mauro Eduardo Uemura e Deborah de Oliveira Uemura, que, em janeiro, antes mesmo da prisão do marqueteiro, pediram acesso às investigações. O casal Uemura havia comprado o imóvel em 14 de dezembro de 2009 de Sampaio.

Compra de imóveis é um dos caminhos usados por operadores de propina para lavar dinheiro desviado da Petrobras, segundo investigações da Lava-Jato. Um dos delatores da operação, Milton Pascowitch, contou à PF que fez repasses ao ex-ministro José Dirceu, por meio da reforma de imóveis e da compra de um apartamento.

— ( O apartamento) pode ter sido um repasse não declarado ao casal Santana travestido de operação imobiliária — disse ao GLOBO uma pessoa ligada às investigações.

Chamou a atenção dos investigadores a forma como o imóvel foi adquirido. Na escritura, Santana diz que pagou R$ 3 milhões. Em sua declaração de Imposto de Renda de 2013, registrou R$ 4 milhões. A Lava- Jato descobriu que nenhum desses valores foi o total gasto. Quem pagou parte do apartamento foi a empresa de Santana e sua mulher, Mônica Moura: a Polis Propaganda, que prestou serviços a campanhas do PT.

A Polis depositou um sinal de R$ 300 mil e uma parcela de R$ 2,7 milhões na conta de Deborah Uemura no Bradesco. Mais US$ 1 milhão foi repassado por fora. O dinheiro saiu da offshore Shellbil, de Santana, para uma conta de Mauro num banco português no exterior. Em depoimento à PF semana passada, Santana disse que pagou R$ 6 milhões pelo imóvel.

As movimentações da Shellbil estão sendo investigadas pela Lava- Jato, sob suspeita de vínculo com dinheiro desviado de contratos da Petrobras. Os investigadores dizem que Santana recebeu ao menos US$ 7,5 milhões da Odebrecht e do operador de propinas da estatal Zwi Skornicki.

Na última quinta-feira, ao depor na Lava- Jato, Santana disse que, a pedido do vendedor, não declarou o US$ 1 milhão. Após transferir o imóvel ao publicitário, o casal Uemura morou num apartamento de 83 metros quadrados em Perdizes. Nesse prédio, há imóveis à venda por R$ 800 mil.

O GLOBO localizou pelo menos duas offshores no Panamá registradas em nome do casal Uemura, ainda ativas. Mauro também aparece como sócio de um cidadão angolano numa empresa de São Tomé e Príncipe. Em São Paulo, o casal teve uma empresa: a DOX, aberta em abril de 2009 e fechada um ano depois. A empresa foi registrada na Junta Comercial como prestadora de consultoria em gestão empresarial. Os advogados do casal Uemura não retornaram os telefonemas do GLOBO ontem.

Executivo diz que nunca morou no imóvel
A compra por Mauro e Deborah ocorreu no mesmo dia em que o ex- executivo da Odebrecht passou a propriedade para seu nome. Sampaio pagou R$ 2 milhões à construtora República do Líbano Empreendimento Imobiliário e, em seguida, revendeu aos Uemura por R$ 2,8 milhões.

Ao GLOBO, o executivo afirmou nunca ter morado no imóvel, que comprou como investimento. Nascido em Salvador, Sampaio, de 65 anos, dirige hoje a Kieppe Investimentos e Participações, holding que controla todos os bens da família Odebrecht, entre eles a construtora.

Desde 1985, ele ocupou cargos estratégicos na empreiteira, como diretor internacional de Finanças e Investimentos, vice-presidente de Finanças e vice- presidente de Investimentos. Ele afirmou ter deixado a empresa no fim de 2008. Também disse que hoje não tem relação com a construtora e que seu trabalho é administrar ativos da família Odebrecht, como imóveis e terrenos.

Sampaio disse que nunca conheceu Santana e que só encontrou Uemura no dia de assinar a escritura.

— Se você tem um carro e, após sete anos, esse carro vai parar na mão de um traficante, você não tem nada a ver com isso. Mas, se forem no Detran, vão achar seu nome como antigo proprietário. A PF tem todo o direito de investigar — disse Sampaio.

Ele afirmou que foi procurado por um corretor de imóveis em 2009, que não revelou para quem trabalhava. Após finalizar o negócio, soube que o novo proprietário seria Mauro, que desejava presentear Deborah. Segundo o executivo, Mauro estava fora do Brasil no período da transação. Ele pagou um sinal, cujo valor não soube precisar, e o restante do valor, numa única parcela via transferência bancária no Brasil.

A Odebrecht informou que não comentaria o assunto por se tratar de um negócio pessoal de um ex-funcionário. O criminalista Fábio Tofic, que defende Santana e sua mulher, disse que não comentaria.

Em sua última possibilidade de apresentar defesa técnica antes de ser julgado, o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, argumentará em alegações finais que nem todas as anotações registradas em seu telefone eram expressões do seu pensamento. Seus advogados escreverão que, em determinados momentos, Odebrecht registrou comentários de terceiros, em reuniões das quais participava como dirigente do grupo empresarial. Também copiava para seu bloco de notas “anotação de terceiros”.

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