• Déficit é corrigido para incluir queda de receitas
Equipe econômica desbloqueia R$ 36,7 bi para pagar atrasados do PAC e despesas de Saúde, Defesa e diplomacia. Meirelles diz que nova meta, que não inclui CPMF, é realista e não será mais alterada em 2016
O governo Michel Temer anunciou ontem a nova meta fiscal de 2016, que agora prevê um rombo inédito de R$ 170,5 bilhões nas contas federais. O número, segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é “transparente e realista” e não será revisto. O governo Dilma previra inicialmente um superávit de R$ 24 bilhões para o ano. A equipe econômica surpreendeu ao liberar gastos para Saúde, Defesa, diplomacia e Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas argumentou que são despesas essenciais ao funcionamento da máquina pública. Na segunda-feira, o presidente interino, Michel Temer, irá pessoalmente ao Congresso explicar aos parlamentares a nova meta, que o presidente do Senado, Renan Calheiros, promete votar em sessão conjunta no dia seguinte.
Rombo nas contas será de R$ 170,5 bi
• Queda da arrecadação, alívio a estados e pagamento de atrasados provocarão déficit federal histórico em 2016
Martha Beck, Bárbara Nascimento, Gabriela Valente – O Globo
O governo anunciou ontem que o rombo nas contas públicas federais em 2016 poderá chegar a R$ 170,5 bilhões, ou 2,75% do Produto Interno Bruto (PIB). Se confirmado, o número será o pior resultado já registrado desde 1997, quando começou a série histórica do indicador. A nova meta fiscal deixa claro que a estratégia da equipe econômica foi evitar correr riscos e trabalhar com um resultado o mais negativo possível. Não entraram nos cálculos receitas decorrentes da recriação da CPMF nem a arrecadação com a lei da repatriação, que já foi aprovada pelo Congresso e está em vigor. O valor de agora é superior ao déficit que havia sido estimado na última revisão da meta pela equipe da presidente afastada, Dilma Rousseff, de R$ 96,6 bilhões, ou 1,55% do PIB. Originalmente, porém, Dilma havia previsto um superávit de R$ 24 bilhões este ano.
— É uma meta transparente e realista. A mensagem fundamental é essa. Existem margens para incerteza, mas certamente é estimada dentro de critérios rigorosos. Não adianta pôr metas que não serão cumpridas e situações que não serão sustentáveis — disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
O presidente interino, Michel Temer, vai ao Congresso, nesta segunda-feira, explicar a meta fiscal e conversar com os parlamentares sobre a situação econômica do país e, às 17h, dará entrevista coletiva para falar sobre a nova meta fiscal. O presidente do Senado e do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), já decidiu que votará a nova meta às 16h de terça-feira, em sessão do Congresso, e que escolherá um relator de plenário. Renan não está disposto a aceitar a manobra do novo presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Arthur de Lira (PP-AL), que escolheu o deputado Dagoberto (PDT-MS) para ser o relator da meta. Segundo interlocutores, Renan encontrou brecha no regimento da Casa para escolher relator de plenário. O novo presidente da comissão é aliado do presidente afastado da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Nas cálculos da nova meta, somente por causa da recessão — que derrubou a arrecadação acima do esperado — e da retirada de receitas incertas, o governo já elevaria o déficit do governo central para R$ 113,9 bilhões. Além disso, num movimento surpreendente para quem assumiu o cargo com discurso pela austeridade, a equipe decidiu liberar R$ 21,2 bilhões do contingenciamento de gastos de R$ 44,6 bilhões, que havia sido feito no início do ano, e ainda previu aumentos de gastos de R$ 15,5 bilhões para o pagamento de despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Defesa e Saúde. As ações também haviam sido propostas pela equipe de Dilma.
A equipe econômica ainda jogou na conta previsão maior de perdas com a renegociação das dívidas dos estados com a União e outros passivos. Esse valor foi estimado agora em R$ 19,9 bilhões. O governo decidiu dar um alívio adicional aos governadores que pressionam por moratória. Perguntado sobre a contradição de liberar gastos num momento que exige austeridade, Meirelles rebateu:
— Não é uma política de governo não levar em consideração as obras já executadas e um volume enorme de restos a pagar. O princípio básico é que é um orçamento realista. Um orçamento austero não significa um orçamento que não é cumprido, significa um orçamento que corta despesas que não são necessárias ou não são eficazes.
O valor do déficit previsto diz respeito somente ao rombo das contas do governo federal e não de todo o setor público. Estados e municípios têm previsto superávit de R$ 6,6 bilhões (0,1% do PIB). O chamado setor público consolidado deve ter déficit de R$ 163,9 bilhões (2,65%). O governo deixou de fora da conta passivo potencial bilionário da Eletrobras, que pode variar de R$ 5 bilhões a R$ 40 bilhões, o que faria o déficit se aproximar de R$ 200 bilhões. A estatal não apresentou o balanço auditado no mercado americano, e a Bolsa de Valores de Nova York suspendeu as negociações de seus papéis.
Meirelles garantiu que o resultado é um teto e que o governo vai anunciar, nos próximos dias, medidas que podem tornar o número melhor. Entre as ações em estudo está a fixação de um limite para os gastos públicos.
— Existem medidas a serem tomadas de curto médio e longo prazo que serão anunciadas e que deverão ser se aprovadas e incorporadas nesse e no próximo orçamento — disse Meirelles.
‘Meta não é novela para ser feita em capítulos’
Ele enfatizou que o quadro encontrado é muito pior do que o esperado, mas evitou politizar. Essa tarefa coube ao ministro Romero Jucá, que fez questão de dizer que esse governo se difere do anterior e que não vai escamotear dados. Criticando as gestões anteriores, que enviaram ao Congresso Nacional várias alterações das metas em vigor durante o ano, ele disse que “meta não é novela para ser feita em capítulos”. Tanto Meirelles quanto Jucá fizeram questão de reforçar que o objetivo fiscal apresentado é realista e, por isso, o governo não pretende alterá-lo uma outra vez.
Os ministros foram perguntados ainda sobre a possibilidade de que o ex-chefe da pasta Nelson Barbosa e a presidente afastada Dilma Rousseff contestem, na segunda-feira, os números divulgados ontem. Eles afirmaram que as críticas são parte do jogo democrático.
— Nós temos um espírito democrático de aceitar qualquer tipo de crítica e avaliação de qualquer economista — respondeu Jucá.
— Críticas são bem-vindas. Nos ajudam a aprofundar o entendimento. Estamos no sexto dia útil de governo. É um período curto para avaliação de situação tão complexa — afirmou Meirelles.
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