• 'Estamos com mais de dois anos da Lava Jato, identificamos muita coisa errada e o que a gente fez para evitar que novas coisas erradas voltem a ser praticadas?', questiona Hélio Telho, do Ministério Público Federal, em Goiás
Julia Affonso – O Estado de S. Paulo
O ditado ‘é melhor prevenir do que remediar’ é de muito valor para o combate à corrupção. Nas palavras do procurador da República Hélio Telho, do Ministério Público Federal, em Goiás, prevenir significa evitar que ‘a tranca seja arrombada’.
“Depois da tranca arrombada, é muito mais difícil consertar o estrago, reparar o dano e muito mais caro também conseguir a punição dos responsáveis”, afirma Hélio Telho.
Em maio, o procurador e seus colegas do Ministério Público Federal, em Goiás, denunciaram executivos da Valec, empresa estatal do setor ferroviário, por corrupção, lavagem de dinheiro, cartel e fraude à licitação nas obras de trechos das ferrovias Norte-Sul e Interligação Oeste-Leste no Estado. A acusação formal foi a primeira contra os investigados da Operação O Recebedor, desdobramento da Lava Jato.
Em março deste ano, a Lava Jato, maior operação contra a corrupção já feita no País, completou 2 anos. Na avaliação do procurador, pouco se fez no Poder Legislativo para evitar a repetição dos escândalos de corrupção.
“O Congresso Nacional está em débito com a nossa sociedade. A gente tem visto seguidos escândalos de corrupção, um atrás do outro, e a gente não vê o Congresso Nacional se mexer para fechar as brechas e criar medidas que previnam e evitem a corrupção. Pelo contrário. O que a gente tem visto, volta e meia são espasmos no sentido de aprovar leis que dificultem o combate à corrupção e não que fechem as brechas do nosso sistema legal. Isso é muito preocupante”, destaca Hélio Telho.
Leia a íntegra da entrevista com o procurador da República Hélio Telho
Estadão: Por que as pessoas se corrompem, se envolvem em corrupção?
Procurador da República Hélio Telho: Temos duas teorias que tentam explicar e acabam se complementando. Uma delas, que a gente defende, diz que as pessoas se corrompem, porque elas fazem uma avaliação de custo benefício e de probabilidade de lucro e de risco. Se ela vê que o vizinho, o amigo, o conhecido, o colega de trabalho praticou um ato de corrupção e se beneficiou, enriqueceu e não aconteceu nada com ele, isso estimula ela a fazer a mesma coisa. Se ela tiver uma oportunidade, ela vai avaliar os riscos que ela tem de ser pega, de ser flagrada, de aquele ato de corrupção dar certo ou não, se der certo, qual é o lucro que ela vai ter e o risco de ela ser pega, e, se for pega, qual o risco de ela ser punida e que punição seria essa e qual é o risco que ela teria de perder aquilo que ela ganhou e mais alguma coisa. Ela faz essa avaliação de risco. Se ela chega à conclusão que o risco é baixo e o lucro é alto, ela vai praticar o ato de corrupção. Existe uma outra teoria que diz que as pessoas às vezes praticam o ato de corrupção se sentem bem, aquilo deu lucro, elas acabam sentindo uma necessidade de repetir aquilo e aquela sensação de que o ato de corrupção com êxito trouxe para ela, ela fica com necessidade de fazer de novo. Como se fosse um vício, uma dependência. A medida que a pessoa vai praticando, vai se beneficiando, vai gostando daquilo ali, vai sendo lucrativo para ela e não acontece nada, ela volta a praticar de novo, ela acaba se tornando uma dependente daquilo ali. Uma teoria não exclui a outra. O que a gente tem de fazer é mudar o sistema, porque hoje no Brasil a corrupção é de baixo risco e alto lucro. A gente tem de inverter essa equação. A gente tem de fazer com que o ato de corrupção seja mais difícil de ser praticado, mais fácil de ser descoberto. E se for descoberto, haja alta probabilidade de punição e de devolução daquilo que foi adquirido com o ato de corrupção. E também que os atos de corrupção sejam passíveis de serem descobertos logo no começo para que o prejuízo e o lucro sejam muito baixos. Você vê escândalos de corrupção no mundo. Um político recebeu US$ 10 mil, US$ 50 mil acolá. Ele é processado, punido, tem de renunciar, a carreira política vai par ao ralo. Lá, muitas vezes, eles conseguem descobrir rapidamente e o escândalo está pequenininho, o prejuízo é pequeno. Aqui, não. Quando a gente descobre, já está na casa dos milhões. Agora nós estamos vendo na casa dos bilhões.
Estadão: Quais são as maneiras de se combater o crime de colarinho branco?
Hélio Telho: Pergunta difícil. A gente tem de ter um conjunto de medidas, não existe uma forma única, existem várias medidas que se complementam. Você tem medidas que previnem, reprimem e buscam a reparação. Você tem de adotar um conjunto de medidas. Quando uma falha, você utiliza a outra. As medidas de prevenção são as melhores, porque evitam que a tranca seja arrombada. Depois da tranca arrombada, é muito mais difícil consertar o estrago, reparar o dano e muito mais caro também conseguir a punição dos responsáveis. Do ponto de vista prático, a gente tem de investir pesadamente em prevenção. Talvez uma das maiores falhas do sistema brasileiro é que nós temos várias falhas na prevenção à corrupção. Embora reconheça que nós tenhamos avançado muito com a Lei de Acesso à Informação Pública e os Portais de Transparência, ainda precisamos avançar muito mais no que diz respeito à prevenção. E isso o Congresso Nacional está em débito com a nossa sociedade. A gente tem visto seguidos escândalos de corrupção, um atrás do outro, e a gente não vê o Congresso Nacional se mexer para fechar as brechas e criar medidas que previnam e evitem a corrupção. Pelo contrário. O que a gente tem visto, volta e meia são espasmos no sentido de aprovar leis que dificultem o combate à corrupção e não que fechem as brechas do nosso sistema legal. Isso é muito preocupante.
Estadão: O sr ainda se choca com tantos escândalos?
Hélio Telho: Não deixa de chocar. O que me choca mais talvez seja o fato de que eles são muito recorrentes, porque a gente, a sociedade, nossos representantes, o Estado, não tem adotado medidas que evitem que esses escândalos aconteçam. Em razão disso, o que nós temos visto é que eles vêm se sucedendo cada vez mais , com mais frequência e com valores mais elevados. Há 15 anos atrás, eles estavam na casa dos milhares, depois passou para a casa dos milhões. Agora estamos vendo coisas na casa dos bilhões. Isso por quê? Porque nós não temos feito nada para fechar essas brechas. Nós não temos projeto de educação, de conscientização da sociedade, do cidadão, do indivíduo, sobre a necessidade de prevenir, reprimir atos de corrupção. Como foi feito, por exemplo, no final do século passado, com as questões ambientais. Nós passamos por um processo de educação ambiental, investimentos nas escolas, faculdades, sobre a necessidade de preservar o meio ambiente. O próprio governo investiu dinheiro em publicidade nesse sentido. A gente não vê isso acontecer em relação à prevenção da corrupção. As pessoas não têm essa cultura de recusar a corrupção, de reconhecer a corrupção e compreender o quão a corrupção é perniciosa para o crescimento econômico e o desenvolvimento do País, o quão atrapalha o crescimento do País, concentra ainda mais renda, aumenta a desigualdade social. As pessoas não têm essa percepção, isso faz com que elas convivam com a corrupção diária e acabem ficando um pouco insensíveis. Da mesma maneira que as pessoas ficam insensíveis em relação à violência, elas acabam ficando insensíveis à corrupção. A gente precisaria investir fortemente nisso. Uma das 10 Medidas de Combate à Corrupção que o Ministério Público propôs vem exatamente nesse sentido, obrigar que uma parte do orçamento público, hoje, destinados à publicidade e propaganda institucional, seja utilizada para prevenção e conscientização das pessoas em relação à necessidade de prevenir e reprimir a corrupção. A gente vê algumas iniciativas muito isoladas e reativas no Congresso Nacional em dotar o País de leis neste sentido. Uma boa lei que foi votada e aprovada e sancionada pelo Congresso Nacional e pelo presidente da República foi a Lei das Estatais.
Estadão: O presidente interino Michel Temer disse que a Lei das Estatais tem caráter “altamente moralizador”. O que o sr achou?
Hélio Telho: Ela dificulta, não vai fechar as portas das estatais para a corrupção, para pessoas sem qualificação, indicadas apenas para fazer caixa de campanha. Se essa lei estivesse em vigor, ela não evitaria o petrolão, por exemplo.
Estadão: Os diretores da Petrobrás envolvidos na Lava Jato eram todos funcionários de carreira.
Hélio Telho: Funcionários de carreira. Se a Lei estivesse em vigor, não impediria que essas pessoas tivessem sido nomeadas. Mas a gente tem que lembrar que nós temos várias estatais. Essa Lei precisava ser replicada nos Estados e municípios. Ela institui a Ficha Limpa, não permite ficha suja. Quem não pode ser candidato a um cargo eletivo também não pode ocupar um cargo em uma estatal. Isso já é uma medida saneadora, moralizadora. Não resolve o problema, mas ajuda, temos de reconhecer que é um passo importante. Nós não teríamos por exemplo, muito provavelmente, se ela se aplicasse aos fundos de pensão das estatais, a situação de penúria em que eles estão. A gente poderia ter avançado muito mais. Estamos com mais de dois anos da Lava Jato, aprendemos muita coisa, identificamos muita coisa errada e o que a gente fez para evitar que novas coisas erradas voltem a ser praticadas? A gente fez muito pouco ou quase nada. O Congresso Nacional e o próprio poder Executivo têm se visto às voltas com notícias que eles chamam de pauta negativa, só escândalos e notícias ruins. O Ministério Público Federal deu ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo uma sugestão de pauta positiva que são as ’10 Medidas’. Se o Congresso trouxer as ’10 Medidas’ para a pauta da Comissão Especial e depois para a pauta do plenário, votar e aprovar, isso é uma pauta positiva, que ajuda o País a sair dessa encalacrada que nós estamos vivenciando ainda.
Estadão: Os investigados delatam porque se arrependem?
Hélio Telho: Pode até acontecer que em um caso ou em outro isso aconteça, mas na grande maioria das vezes, ela colabora porque é a única solução, saída jurídica que ela tem para conseguir uma situação menos gravosa para ela. Algumas pessoas confundem isso e dizem que prende-se para obrigar a colaborar. Isso é ilegal. Se você tem uma pessoa que está embaraçando a investigação, ela tem de ser presa. Se ela muda a conduta dela, de uma pessoa que estava embaraçando a investigação e passa a ser uma pessoa que colabora com a investigação, o motivo que levou ela à prisão deixa de existir.
Estadão: Como o sr vê a decisão do Supremo de autorizar prisão em segunda instância?
Hélio Telho: Essa é uma sugestao nossa nas ’10 Medidas’. Aumenta e muito os riscos dos atos de corrupção. Até 2009, o Supremo Tribunal tinha o entendimento que vigora hoje. A partir de 2009, o Supremo mudou o entendimento e passou a exigir o trânsito e julgado na sentença para poder aplicar a pena. Isso criou um estímulo para os recursos protelatórios. O Supremo Tribunal naquele momento entregou para o advogado de defesa o destino do cliente dele. Ele falou para o advogado: olha, advogado, seu cliente vai preso se você quiser. Se você não quiser, ele não vai preso, basta você continuar recorrendo, recorrendo. O advogado, então, foi estimulado a usar toda a criatividade dele para encontrar novas formas de recorrer, protelar, empurrar o desfecho do processo. A partir de fevereiro, com esse entendimento, ele não vai ter mais estímulo para recorrer apenas para não deixar a pena seja executada. Ele vai recorrer naqueles casos em que ele acredita que exista uma probabilidade de mudar ou diminuir a gravidade da condenação.
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