domingo, 3 de julho de 2016

Abuso das autoridades - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Avaliação corrente no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional é a de que já foi possível, mas hoje não há mais chance de sucesso de qualquer acordo de troca da renúncia de Eduardo Cunha da presidência da Câmara pela manutenção do mandato de deputado, por falta de parlamentares dispostos ao suicídio político/eleitoral em sessão plenária com voto aberto.

Em outros tempos - aliás, não faz muito tempo, foi no ano de 2007 - o Senado aceitou escambo dessa natureza. Trocou a cassação de Renan Calheiros pela renúncia dele à presidência da Casa.

Assim como Cunha, Calheiros havia mentido aos seus pares, quando apresentou documentação fraudulenta para “comprovar” que tinha fontes de rendas lícitas o bastante para pagar a pensão alimentícia de uma filha, cujo sustento era, na verdade, garantido pela empreiteira Mendes Júnior.

Calheiros safou-se por 40 votos contra 35, em sessão fechada e votação secreta. Nesse período de menos de 10 anos, foi eleito de novo presidente do Senado e acumulou a carga pesada de 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal, sendo nove em decorrência do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato.

De onde os senadores podem dizer qualquer coisa, menos que a cigana os enganou a respeito da qualidade moral de seu comandante.


Pois é este notório e experimentado personagem que defende a aprovação de um projeto de lei para coibir abuso de autoridade por parte de investigadores. Calheiros, investido da condição de defensor dos direitos e garantias do cidadão parlamentar, considera urgente dotar o País de legislação restritiva à ação de investigadores.

Longe dele, segundo alega, qualquer reação às operações em curso. “Ninguém vai interferir na Lava Jato. Esse discurso de que as pessoas querem interferir é um discurso político. Essa investigação está caminhando, já quebrou sigilo de muita gente, tem muita gente presa. E, a essa altura, há uma pressão muito grande da sociedade de que (sic) essas coisas se esclareçam. Só vai separar o joio do trigo”, declarou o probo senador.

Para, em seguida, defender a imposição de “regras” ao instituto da delação premiada. Na opinião dele, tal como está a lei serve de incentivo ao crime.

Essa interpretação não por acaso é compartilhada por advogados criminalistas, cuja função anda bastante prejudicada com a decisão de seus clientes em delatar.

Argumentam que o “prêmio” alimenta do crime, pois a possibilidade da delação criaria nos potenciais criminosos uma expectativa de impunidade.

Convenientemente, porém, deixam de lado o fato: produto da delação é a punição.
Da ameaça de penalidade que agora atinge políticos é que Renan Calheiros pretende fugir com sua proposta pretensamente “democrática”.

Democracia real houvesse na ideia do senador, bastaria a ele cumprir o artigo 5º da Constituição: 

“Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País o direito inviolável à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade”. Simples assim.

O cumprimento desse preceito bastaria para atender aos alegados anseios do senador, cujo pendor democrático está diretamente ligado ao risco de ser preso se, como Eduardo Cunha, perder o privilégio do foro. Mais que isso é abuso de autoridade não autorizada. Renan pensa que está imune, mas não está. Nem nunca estará.

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