- Folha de S. Paulo
Uma coisa é certa: não tenho medo de pensar, mesmo quando o que penso contradiz o que eu mesmo pensei e defendi. Digo isso agora porque ultimamente têm me ocorrido ideias que contrariam o que eu penso e o que os críticos e estudiosos da arte também pensam. É que a arte deve ser feita para dar alegria às pessoas, não para agredi-las ou chocá-las ou mostrar-lhes apenas o lado negro da vida.
Ao ler isso, uma pessoa inteligente e culta dirá que estou andando para trás, negando o que a arte moderna conquistou ao pôr de lado a noção de que beleza é o que se enquadra no bom gosto e no bem acabado. Se é assim, onde ficariam Picasso com suas figuras deformadas e Pollock com seus respingos caóticos e nascidos do acaso?
A linguagem artística, como se sabe, sofreu drásticas mudanças através dos séculos, desde a deformação estilística da arte medieval, passou pelo apuro sofisticado e criativo do Renascimento até entregar-se à exuberância do barroco, que antecedeu o seu contrário, o neoclassicismo.
Simplificando, pode-se dizer que, com o impressionismo, a pintura se livra de uma série de valores e abre caminho para o que se passou a chamar de arte moderna, da qual o cubismo seria o começo, ou seja, o momento de mudança radical, que conduziu à desagregação dos valores que constituíam o alicerce da linguagem estilística.
O questionamento daqueles valores comprometeu a própria noção do que era considerado beleza estética ou até mesmo arte.
Aqui, torna-se necessária uma observação: por exemplo, se "Guernica", de Picasso, não se caracteriza pela harmonia formal da linguagem figurativa, que encontramos num Da Vinci mas também num Velázquez ou num Rembrandt, sustenta-se, não obstante, como obra de arte, na imprevisibilidade de suas linhas e no impacto chocante das figuras e da composição inusitada.
Ou seja, nessa obra, a noção de beleza não é a mesma que encontramos nas obras dos mestres do passado. Não obstante, tampouco opta por buscar deliberadamente o feio, o banal ou o antiestético como ocorre com certas obras do que se chama hoje de "arte contemporânea".
Vou ser mais claro: numa recente Bienal de São Paulo, em uma das salas estavam expostos panos sujos, que tanto podiam ter sido trazidos de uma lixeira como de uma enfermaria de hospital.
Nesses casos, está evidente que o autor de tais obras não buscou criar um objeto belo, muito menos inventivo. Seria, portanto, impossível afirmar que se trata de uma obra de arte, mesmo porque, nessa nova concepção –conforme a boutade de Marcel Duchamp–, tudo o que se disser que é arte, será arte, sendo, portanto, desnecessário preocupar-se com isso.
Mas esse não é o ponto que realmente me interessa aqui. Mesmo quando existe, da parte do autor, o propósito de produzir arte está implícito –ao contrário do que ocorria no passado– que, para ser considerado arte, hoje o objeto não necessita ser belo. Isso decorre de um fato surgido da revolução iniciada no cubismo: a descoberta de que tudo é expressão, seja uma folha de papel amassada, uma mancha de tinta ou um recorte de jornal.
E é sob esse aspecto que tal questão me interessa. Como já disse, um quadro, uma gravura ou um desenho pode nos facultar prazer estético –como, por exemplo, algumas gravuras de Marcelo Grassmann ou certos quadros de Iberê Camargo, ainda que o que nos mostrem seja uma cena cruel ou sofrida.
Tudo bem, mas a questão que se coloca é a seguinte: não seria mais gratificante, para quem os vê, poder fruir deles, juntamente com a beleza formal e a realização artística, uma visão plena de vida e felicidade?
Sei que muitos artistas têm necessidade de expressar uma visão de mundo nem sempre feliz, nem sempre otimista. Tudo bem, mas, de minha parte, se puder escolher, prefiro a felicidade ao sofrimento, mesmo porque o belo não precisa submeter-se a nenhuma norma estabelecida. Por isso mesmo, costumo dizer que a arte é uma alquimia que transforma sofrimento em alegria, isto é, em beleza.
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