sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O exemplo grego -César Felício

- Valor Econômico

• Brasil e Grécia fizeram o mesmo pacto social

Muito se fala, como a predição de um terrível desígnio, de que o Brasil corre o risco de se tornar uma nova Grécia, caso não faça reformas fiscais amargas agora. É uma ameaça lembrada sobretudo em relação à reforma da previdência, cujo envio é iminente, e a emenda dos gastos já em discussão. Trata-se de uma profecia manca: o Brasil não irá se tornar uma nova Grécia porque já é de certa forma, há muitos anos, uma Grécia. E, do ponto de vista institucional, o modelo grego apresenta qualidades inexistentes por aqui.

A identidade entre os dois países é muito forte. Tanto em um caso como em outro, embates políticos que poderiam convulsionar a sociedade foram resolvidos com uma série de compromissos e pactos que elevaram o gasto público.

Entre a redemocratização grega em 1974 e a ruína econômica em 2009, a proporção da dívida pública em relação ao PIB foi multiplicada por seis e atingiu 115%. As responsabilidades se dividiram entre os dois partidos que se revezaram no governo por 35 anos, o socialista Pasok e o centro-direitista ND.

Os governos socialistas criaram programas de transferência de renda, implantaram um sistema universal de saúde e ampliaram o alcance da previdência social. Uma política de valorização do salário mínimo real foi introduzida e a universidade pública foi expandida, dobrando o total de alunos em apenas cinco anos, entre 1981 e 1986.

Tudo isto remete aos anos de ouro da era petista no Brasil. Entre os anos 90 e a década passada, os governos gregos, inclusive os da direita, fizeram maquiagens contábeis para mascarar os déficits e conseguir uma boa nota nas agências de classificação de risco e se enquadrarem nas regras da União Europeia.

Na trajetória grega antes do desastre, houve até uma Olimpíada, em 2004, que custou 11 bilhões de euros, e um grande escândalo de corrupção, em que o líder socialista, Andreas Papandreou, foi absolvido em julgamento por apenas um voto de diferença. Não houve na Grécia sonhos de grandeza para capitalizar "campeãs nacionais" financiadas com dinheiro público ou construir obras portentosas de infraestrutura, mas preocupações nacionalistas consumiram muita despesa no país europeu, que gasta proporcionalmente na área militar tanto quanto a Índia, uma potência nuclear; ou a Coreia do Sul, que vive uma tensão permanente na fronteira.

O aumento do Estado pacificou a sociedade grega, assim como serviu de colchão para os conflitos no Brasil, e a conta deixou de fechar tanto em um caso quanto no outro. Resta saber se o Brasil seguirá a Grécia na etapa seguinte, a dos desdobramentos políticos da implementação do ajuste.

Desde que recorreu ao FMI e à União Europeia, em 2010, o país europeu já fez quatro reformas da previdência, com dramático aumento da crispação social, que culminou na sede do ministério das Finanças em chamas. A polarização partidária tradicional foi suplantada pela ultraesquerda, que chegou ao poder em 2015 com um capital político tão significativo que conseguiu aval em um plebiscito para levar adiante um pacote de austeridade no sentido oposto ao que sempre pregou.

A Grécia conseguiu renovar seu desenho partidário de maneira significativa, promover uma troca de guarda no governo e estabelecer um consenso em torno do pacote de medidas para permanecer na zona do euro. É algo em que outros países em situação semelhante não estão tendo êxito.

Pulverização
A maior evidência de que a eleição de 2016 é muito diferente das anteriores chega pela televisão. Longos discursos em plano fixo se alternam com a exibição nos programas de "slides" com cenas da juventude dos postulantes, um truque comum em telões montados em festas de casamento. Muitas vezes a fala de um concorrente é marcada, de tempos em tempos, por um "olá...", ou algum outro corte abrupto no discurso, indicando que aquela peça será picotada em diversas inserções de campanha e exibidas ao longo das próximas semanas.

O fim dos arcos do futuro são um efeito agudo das regras espartanas de financiamento. O tempo ficou mais curto, mas sequer é usado completamente. São comuns as lacunas em que aparece na televisão apenas um fundo azul com a mensagem de que aquele horário está reservado pelo Tribunal Regional Eleitoral local.

A filiação envergonhada não é uma exclusividade dos petistas. Na apresentação dos candidatos em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém e Cuiabá, não se fala em partidos. Há apenas os números a serem digitados nas urnas. Para marcar o contraste, em 2012 o hoje prefeito de São Paulo se apresentava como o "Haddad do PT".

As narrativas são semelhantes. O eleitor é informado que Sebastião Melo (o 15, nunca, jamais, PMDB) descarregava caixas no Ceasa de Porto Alegre; que Marcelo Crivella (o 10, não o PRB) foi taxista no Rio, que João Doria (45, sem mencionar PSDB) começou a trabalhar em São Paulo aos 13 anos e que o Capitão Wagner (22, em hipótese alguma PR) vendia "dindim" (suco vendido congelado dentro de um saco plástico) em Fortaleza.

Histórias de superação pessoal são regra e pouco variam no tempo e no espaço. Este ano, chegam muitas vezes com pedidos eloquentes de desculpas.

O mais enfático é o do petista Reginaldo Lopes, em Belo Horizonte, que pede perdão em nome do partido e destaca que ele mesmo nunca esteve em nenhum esquema ou escândalo. Foi o único a fazer um "mea culpa" que, de modo indireto, se referiu ao escândalo apurado pela Operação Lava-Jato. Marta Suplicy segue nesta legião dos arrependidos, em relação a dois episódios específicos: a criação de impostos quando foi prefeita e a desastrada frase do "relaxa e goza" em sua passagem como ministra do Turismo. O tucano Wilson Santos também se desculpa em Cuiabá por obras inacabadas.

O descrédito, por um lado, e a inanição, por outro, favorece a fragmentação partidária. Não é por acaso que o Psol lidera as pesquisas em três capitais, o PRB em duas e o PMN em uma. Inacreditavelmente, há nada menos que 14 partidos liderando as disputas nas 26 capitais.

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