- O Estado de S. Paulo
• Suas Excelências devem ir devagar com o andor que a paciência do eleitor é de barro
Após anos de proposital letargia, eis que o Poder Legislativo resolve se mexer para fazer a reforma política. Ou melhor, o que ali se chama de reforma política. Pensam deputados e senadores (exceções de praxe, óbvio) no aperfeiçoamento de suas relações com o eleitorado quando põem o tema em pauta?
A julgar pelas propostas em andamento, tomaram-se em brios quando o “sistema” esvaziou-lhes os caixas de campanhas. E, sendo o assunto dinheiro, sabem o prezado leitor e a cara leitora como é: não se perde tempo nem se medem esforços. A ideia agora é criar um atalho para permitir a volta das doações de pessoas jurídicas.
O invólucro da pílula é dourado. Seria um fundo para abrigar recursos provenientes de doações de empresas e de pessoas físicas – claro, com um teto para cada um dos tipos, a fim de dar à coisa um ar de austeridade – a ser administrado pela Justiça Eleitoral. Aqui, de novo, um adereço disciplinar.
Outra proposta já em adiantado estado de adesão é a cláusula de desempenho mediante a qual só teriam direito ao dinheiro do fundo partidário e acesso ao horário eleitoral as legendas que obtivessem determinado porcentual de votos em um número específico de Estados. Reduziria substancialmente a quantidade de legendas. Providência necessária. Ocorre que a intenção aí é que essa redução propicie o aumento da parcela dos recursos do fundo partidário às agremiações restantes no cenário.
Aliás, pelo menos até agora não ficou claro nessa discussão se o fundo eleitoral substituiria o partidário ou se os dois se somariam. O que surgiu foi a ideia de se extinguir o horário eleitoral de rádio e televisão para direcionar aos partidos os recursos equivalentes à renúncia fiscal dada às emissoras em troca do espaço.
Chega a ser inacreditável, mas não surpreendente, a prioridade dada à garantia de fontes permanentes e confortáveis de financiamento diante de tão urgentes e necessárias mudanças num cenário que cai aos pedaços. Ainda mais que falamos de uma atividade cuja essência deveria ser a representação das várias linhas de pensamento existentes na sociedade e, daí, então, decorrer a captação de recursos. Mas isso dá trabalho, requer esforço de convencimento, identificação popular e, sobretudo, a elevação do conteúdo no exercício da função política.
Chama atenção a ligeireza com que se propõe atribuir mais essa tarefa (a de administrar o fundo eleitoral) à Justiça. A mesma que, conforme estamos a cada dia sendo mais informados, foi feita de lavanderia de dinheiro por diversos partidos mediante o registro no Tribunal Superior Eleitoral de propinas como doações de natureza legal.
Completa a atmosfera de desfaçatez o fato de boa parte dos participantes dessa corrida atrás do ouro não dispor de crédito no quesito administração de dinheiro. Notadamente o público, como é o caso dos recursos do fundo partidário. De quando em vez descobre-se que as verbas destinadas à sustentação das legendas foram usadas para fins nada ortodoxos.
Não precisamos ir longe. Só nos primeiros dois dias desta semana foram divulgados episódios envolvendo PT e PMDB. Este utilizando recursos para pagar despesas do governador de Rondônia com advogados, além de contratar funcionários, parentes e clientes privados de dirigentes do partido como prestadores de serviço. Aquele destinando milhões a empresa investigada pela Polícia Federal e financiando viagens de petistas ao exterior.
Dada a frouxidão da lei que regula o uso dos recursos do fundo partidário, nenhum desses atos é criminoso, mas considerando seu caráter público seria de se esperar uma certa decência na destinação. Não foram os casos.
Antes de criar mais dutos de dinheiro conviria a suas excelências andarem devagar com o andor que a paciência do eleitor é de barro.
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