quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Saudades da esquerda - Pedro Doria

- O Globo

O primeiro cargo político do ex-premiê Shimon Peres, em princípios dos anos 1940, foi como secretário da No’Al, o braço jovem dos Trabalhistas Sionistas, afiliado à Internacional Socialista. Israel, com suas fazendas comunitárias, nasceu como uma outra visão do socialismo, alternativa ao projeto soviético. A relação da esquerda com o judaísmo é de sangue. Marx era judeu. Trotsky, idem. E, até finais do século passado, era muito comum encontrar judeus em posições de destaque na juventude dos partidos de esquerda brasileiros. Hoje é raríssimo. O sentimento anti-israelense se tornou regra e flerta abertamente com o antissemitismo. A agressiva nota de uma facção do PSOL contra Peres é só a mostra mais recente.

Este não é o único sinal de que a esquerda está se tornando reacionária no Brasil contemporâneo. Basta ver a obsessão com a estatização do petróleo. Vento já representa 7% de nossa matriz energética. No Reino Unido, energia solar ultrapassou a gerada por carvão. O parlamento alemão estuda banir o uso de motores a combustão de diesel ou gasolina a partir de 2030.

O petróleo está acabando, mas esqueceram de avisá-los. O Petróleo é Nosso consegue levar gente às ruas como se Getúlio ainda vagasse pelo Catete. É uma visão geopolítica que congelou nos anos 1950.

Capturada por demagogos fisiológicos, a direita nunca ofereceu uma ideia de Brasil movida a debates intensos que capturasse a imaginação de um sólido grupo de eleitores. Isso pode estar mudando, mas não dá para dizer se é apenas um soluço. Com a esquerda é diferente. Ela já ofereceu uma ideia de Brasil, já mexeu com a imaginação de muita gente.

Mas o PT se perdeu na corrupção e no fisiologismo; o PSOL precisa descobrir que o século XX acabou; e a Rede, coitada. A Rede, apesar da tentativa de trazer o programa da esquerda para o hoje, cai no pior estereótipo do seu flanco político. Aquele da turma que debate, debate e não consegue decidir nada.

Isto é um problema. O Brasil permanece muito cruel com quem nasce fora da elite. A função da esquerda é lembrar constantemente que o bode continua no meio da sala. Porque ele continua.

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