Por Vandson Lima e Andrea Jubé | Valor Econômico
BRASÍLIA - Ter o poder de sabatinar e opinar sobre a indicação de todos os candidatos a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dos Tribunais Superiores, bem como sobre a escolha e eventual destituição do Procurador-Geral da República (PGR). Definir se é constitucional - e em caso, contrário, mandar ao arquivo - todas as propostas encaminhadas pelo governo. Além de atribuições tão diversas como recomendar a criação de Estados e medidas de defesa nacional, Estado de sítio e intervenção federal.
O calhamaço de prerrogativas descrito acima está sob o guarda-chuva da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. E seu próximo comandante pode ser o atual presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Entre submergir ou liderar o PMDB, possibilidades antes colocadas, Renan mudou o foco e passou a trabalhar para presidir a comissão em 2017, segundo atestam aliados.
Em vias de concluir seu quarto mandato à frente do Senado, em guerra aberta com o poder Judiciário e alvo de uma denúncia, uma ação penal e 10 inquéritos, Renan terá em mãos um instrumento para fazer política na presidência da CCJ: foi para lá que o Senado reencaminhou, após o embate em plenário no seu último dia de atividades legislativas, o projeto que atualiza a legislação e impõe penas mais duras para os crimes de abuso de autoridade. Renan, autor da proposta, teria o poder para acelerar a tramitação da proposta, vista por magistrados como um ataque à Operação Lava-Jato.
Outro embate que interessa a Renan tem data marcada no colegiado: a sucessão de Rodrigo Janot no comando da PGR, cujo mandato termina em setembro. Caberá à CCJ sabatinar o indicado, que precisa da chancela da comissão e do Senado.
Janot se tornou o principal inimigo de Renan este ano. Pego em diálogos gravados pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, chamando o PGR de "mau-caráter" em maio, Renan viu Janot pedir sua prisão um mês depois. Foi ao ataque e acusou o procurador de patrocinar os vazamentos das delações e "extrapolar o limite do ridículo" em sua atuação.
Há pouco mais de duas semanas, Janot denunciou Renan no âmbito da Lava-Jato, acusando-o de usar intermediários para pedir e receber dinheiro da empreiteira Serveng, que tem contratos com a Petrobras.
A presidência da CCJ seria um trunfo para Renan também por outro motivo: ele se manteria influente e não subordinado ao presidente Michel Temer. Na liderança do PMDB, ele ainda estaria de certa forma no raio de controle do Palácio do Planalto, pois trata-se do partido do presidente. Na CCJ, Renan seria eleito por um colegiado de várias legendas.
Ao Valor, Renan disse que "não está nada definido" em relação ao seu futuro e a ocupação de postos no Senado. "Não há disputa na bancada [do PMDB]. Vamos todos nos entender". O senador disse que volta a Brasília por volta do dia 20 de janeiro.
Renan buscará viabilizar sua eleição à CCJ a partir da rede de relacionamentos que construiu em 21 anos de Senado e mais de 30 anos de atuação no Congresso - ele se elegeu deputado federal em 1982.
Mesmo investigado, Renan impõe-se como um dos políticos mais habilidosos da República, em torno do qual Temer e dois ex-presidentes se mobilizaram junto ao STF para articular a revogação da liminar que o afastou do cargo.
Quem conhece o senador no gabinete decifra a receita do poder. Além da caneta de presidente, que distribui relatorias dos projetos mais disputados e define a pauta de votações, o pemedebista esbanja boa vontade com os pares. Na sua gestão, a Presidência do Senado está sempre de portas abertas. Reúne todos em volta de uma mesa para conversar amenidades, como uma roda de bar, em que não faltam piadas. Outro hábito do pemedebista é convidar senadores para almoços e jantares na residência oficial ou em churrascarias.
Renan se autoproclama um "soldado", mas atua para se tornar indispensável a qualquer chefe do Executivo. Usa a capacidade de articulação para consolidar relações e distribuir favores e gentilezas, sem apresentar fatura imediata.
Em 2007, foi obrigado a renunciar à presidência em meio às denúncias de que teria pago pensão de uma filha com recursos de uma empreiteira. Nove anos depois, no início deste mês, tornou-se réu no STF na ação penal proposta pelo Ministério Público Federal para investigar o caso. Após o escândalo e a renúncia, Renan saiu de cena no fim de 2007. Submergiu por dois anos e meio, período em que cultivou relações e tornou-se o homem forte dos bastidores, até retornar ao comando do Senado em 2013.
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