quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Novos prefeitos assumem sob risco de colapso fiscal

Por Cristiane Agostine | Valor Econômico

SÃO PAULO - A crise fiscal atingiu em cheio prefeituras de capitais e grandes cidades e os prefeitos iniciam o mandato neste domingo em meio a perspectivas de cortes, dívidas milionárias e dificuldades financeiras para pagar folha e fornecedores. Em algumas cidades, o ano que ainda não acabou já assombra 2017 na forma peculiar de sumiço prévio de receitas. Prefeitos que saem encontraram maneiras incomuns de antecipar impostos que seriam cobrados só no exercício dos que entram.

Em Porto Alegre, o atual prefeito, José Fortunati (PDT) não tinha dinheiro para pagar os salários de dezembro e antecipou a arrecadação do IPTU de 2017 - anunciando um desconto de 12% para quem pagasse até 3 de janeiro. Conseguiu satisfazer o funcionalismo, mas enfureceu seu sucessor, Nelson Marchezan (PSDB), que reagiu oferecendo um desconto maior ainda, de 15%, a quem quitasse o imposto só em 2017. Marchesan teme perder cerca de R$ 100 milhões com a antecipação. Até agora, foram arrecadados quase R$ 40 milhões.

Em Natal, o prefeito reeleito Carlos Eduardo (PDT) usou o mesmo expediente, mas contra si próprio - antecipou não só o IPTU de 2017, mas também a taxa de lixo. Arrecadou R$ 50 milhões, o suficiente para bancar metade do custo mensal da folha. O Tribunal de Contas do Estado, no entanto, proibiu a cobrança antecipada e disse que a prefeitura não poderá usar os recursos.

A falta de recursos em "caixa" é problema de quase metade dos prefeitos em todo o país: 47,3% deixarão a seus sucessores restos a pagar, de acordo com pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios. Das prefeituras, 15% relataram que vão atrasar o pagamento do salário de dezembro.

Para o economista José Roberto Afonso, do Ibre-FGV, os prefeitos têm de se preparar para uma realidade ainda pior que a de 2016. "O governo federal não será mais um hospital de prefeitura", diz. "Cada um precisará andar com suas próprias pernas". As transferências voluntárias e ajuda financeira federal deverão ser mais cortadas do que já foram, prevê.

Colapso fiscal aguarda novos prefeitos
A crise fiscal atingiu em cheio os prefeitos de médias e grandes cidades que assumem o mandato neste domingo, em meio a promessas de cortes, dívidas milionárias e dificuldades para pagar os servidores e fornecedores.

Em Porto Alegre, a falta de recursos transformou-se em uma briga entre o atual prefeito, José Fortunati (PDT), e seu sucessor, Nelson Marchezan Jr (PSDB), em torno do IPTU. Com dificuldades para pagar a folha, Fortunati decidiu antecipar a arrecadação do IPTU de 2017 para este ano. Marchezan se opôs, para evitar a perda de arrecadação no início da gestão. O prefeito ensaiou um recuo, mas anunciou desconto de 12% para quem pagasse o imposto até 3 de janeiro e arcou com os salários deste mês. Marchezan reagiu e prometeu desconto maior, de 15%, a quem pagasse em 2017 e recorreu ao Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado, alegando que a antecipação fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A arrecadação com o IPTU é estimada entre R$ 300 milhões e R$ 350 milhões e a equipe de Marchezan teme perder R$ 100 milhões com a antecipação. Até agora, foram arrecadados cerca de R$ 40 milhões.

O futuro secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, diz que será preciso um "ajuste fiscal rígido e pesado". Busatto afirma que revisará todos os contratos e poderá romper parte deles. Marchezan cortará de 37 para 15 o número de secretarias, promete reduzir gastos com viagens, telefonia e aluguel de carro. "O município tem despesas maiores do que a capacidade de pagá-las", afirma. Os investimentos em 2017, diz, não serão com recursos próprios, mas de empréstimos e operações de crédito. Do Orçamento de R$ 6,9 bilhões, a futura gestão prevê que 10% das receitas não se concretize.

Em Natal, o prefeito reeleito Carlos Eduardo (PDT) antecipou não só o IPTU de 2017, mas também a taxa de lixo. Segundo a secretária municipal de Finanças, Maria Virginia Lopes, foram arrecadados R$ 50 milhões com as antecipações, suficiente para bancar metade da folha de pagamento. O Tribunal de Contas do Estado, no entanto, proibiu a cobrança antecipada e disse que a prefeitura não poderá usar mais neste ano os recursos previstos para 2017. A folha de novembro só foi paga no dia 27 de dezembro e a deste mês só será saldada em janeiro.

As contas em Natal não fecham. A secretária de Finanças disse que em novembro a prefeitura arrecadou R$ 80 milhões, menos do que o custo da folha de pagamento, de R$ 100 milhões. Ao fim deste ano, ficarão R$ 150 milhões em restos a pagar. Para tentar aumentar a receita, o prefeito aprovou projetos para acabar com isenções fiscais e regulamentar taxas. A gestão deve cortar entre 25% e 30% os terceirizados, reduzir os gastos com aluguel e gasolina em 30% e não descarta ajuste mais pesado.

O repasse de recursos federais teve uma queda significativa e foi dos R$ 472 milhões registrados em 2014 e 2015 para R$ 125 milhões até novembro. Os investimentos também caíram. Em 2014 foram R$ 577,2 milhões e no ano seguinte, R$ 106 milhões. Já em 2016, a previsão era de R$ 42,7 milhões, mas até novembro foram executados R$ 23,1 milhões.

A falta de recursos em "caixa" é problema de quase metade dos prefeitos em todo o país: 47,3% deixarão restos a pagar para seus sucessores, de acordo com pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios. Das prefeituras, 15% relataram que vão atrasar o pagamento do salário de dezembro. A entidade fez pesquisa com os 5.568 municípios do país e 78,6% responderam ao questionário. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, afirma que a crise é agravada pela falta de recursos federais para custear programas sociais.

Em Campinas (SP), o prefeito reeleito, Jonas Donizette (PSB), não conseguirá pagar os salários de dezembro neste ano. O secretário de Finanças, Tarcísio Cintra, diz que em outubro e novembro foram pagos integralmente os salários para quem ganha até R$ 5,4 mil líquidos. Valores superiores foram parcelados. Na cidade, a receita caiu e as despesas aumentaram, em um grande descompasso: entre novembro de 2015 e novembro de 2016, o ISS, que é a maior receita do município teve queda real de 10%. O ICMS caiu 6%. Já a despesa aumentou 10%, com o reajuste salarial dos funcionários e maior demanda social. O atraso no pagamento de fornecedores chega a seis meses. "A recuperação que esperávamos para o último trimestre não veio", diz Cintra.

No fim deste mandato, o prefeito aprovou uma lei que permite o uso do fundo de previdência dos servidores (Camprev) para gastos municipais. O secretário, no entanto, diz que os recursos serão usados apenas para pagar aposentadorias. Entre as medidas adotadas para economizar cerca de R$ 100 milhões está a demissão de 20% dos comissionados.

Em Florianópolis, as finanças preocupam o prefeito eleito Gean Loureiro (PMDB), que já anunciou a revisão dos contratos para reduzir os custos em 30%, o corte pela metade do número de secretarias e de comissionados, assim como o fim de comissões. A equipe de Gean afirma que herdará uma dívida estimada em R$ 800 milhões - e que poderá chegar a R$ 1 bilhão -, com o atraso no pagamento de fornecedores e falta de transferência de recursos para a previdência dos servidores.

Como consequência do atraso com fornecedores, estimado em R$ 100 milhões, Gean terá de lidar com problemas como a falta de coleta e transporte de lixo - que chegou a mais de 100 toneladas acumulados- e a ameaça de corte das passagens gratuitas, feita pelo consórcio responsável pelo transporte público. Futuro secretário de Comunicação, Bruno Oliveira reclama da falta de transparência da gestão do prefeito Cesar Souza Junior (PSD) e diz que no início da transição a dívida era estimada em R$ 90 milhões.

Oliveira diz ainda que a prefeitura está em dívida com a previdência dos servidores e não pagou R$ 400 milhões da contribuição patronal. A reportagem não conseguiu contato com a gestão nesta semana.

Em Curitiba, o prefeito Gustavo Fruet (PDT) decretou recesso nas repartições ontem, hoje e amanhã para economizar com água, luz, telefonia e transporte. A secretária de Finanças, Eleonora Fruet, diz que "não se imaginou que a situação financeira seria tão trágica", mas diz que o pagamento dos salários está em dia. A gestão, no entanto, deixará R$ 400 milhões de restos a pagar para o prefeito eleito Rafael Greca (PMN). "As prefeituras vinham numa tendência de crescimento de folha de pagamento, de equipamentos públicos. Em 2013 não sabíamos que o cenário seria tão perverso", diz a secretária. A receita no município entre 2015 e 2016 teve queda real de 5,32%. Entre 2011 e 2012, compara, teve crescimento real de 7,51%.

Dentro desse cenário desolador, São Paulo aparece como uma das exceções. A gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) terminará com superávit de cerca de R$ 2,5 milhões, sem atraso a fornecedores nem a servidores e com o 13º salário pago antecipadamente. A gestão Haddad destaca a renegociação da dívida, que caiu de R$ 74 bilhões para R$ 27,5 bilhões. Apesar da situação financeira equilibrada, o primeiro ano da gestão de João Doria (PSDB) deverá ter cortes de 15% nos contratos, com redução de cargos de comissionados e de 25% no custeio. A venda do autódromo de Interlagos, o Anhembi e a concessão do Pacaembu, estimadas em R$ 7 bilhões, ficarão para 2019.

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