- O Estado de S. Paulo
• Entre os desejos de ano-novo, que o corte de gastos desafie lobbies e mire privilégios
Não há exercício de humildade maior do que comparar as previsões econômicas para o ano com o que de fato ocorreu no período. Vale para políticos, para economistas e também para jornalistas.
Sabendo disso, melhor não se aventurar, nesta última coluna de 2016, a enumerar as profecias para 2017. Até porque todos – inclusive esta colunista – gastaram o estoque de ressalvas para o desempenho da economia no ano que vem, diante das ameaças que se avizinham no mercado internacional, sob o “risco Trump”, e principalmente no cenário político interno, ainda se movendo no ritmo da Lava Jato e já refletindo o acirramento das disputas dentro da ampla base de aliados, por força do calendário eleitoral.
Vamos, então, substituir previsões costumeiras para a economia por uma lista de desejos para o ano que vem.
1) Antes de qualquer coisa, que a atividade econômica tenha finalmente chegado ao fundo do poço e esteja pronta para iniciar uma nova escalada. Para isso, é preciso que funcione uma combinação de fatores, a saber: juros mais civilizados, orçamentos domésticos e de empresas limpos de dívidas, investimentos em infraestrutura e serviços públicos retomados em bases realistas. De olho nos índices de impopularidade, os integrantes do governo cruzam os dedos para que as medidas de estímulo à economia anunciadas no fim do ano, especialmente a liberação de saques do FGTS, tenham algum fôlego para fazer girar a roda dos negócios. E torcem ainda para que bancos e operadoras de cartões de crédito cortem os juros voluntariamente, sem a necessidade da mão pesada do governo.
2) Que a reforma da Previdência caminhe com rapidez, mas sem correria, para seguir dentro da trilha correta. É crucial a ação do Congresso, tanto para manter o “core” da proposta encaminhada pelo Executivo, como também para aperfeiçoar os pontos que merecem revisão. Nos bastidores da negociação, o governo já mostrou disposição, por exemplo, de fazer um “desconto” na idade mínima para as mulheres e alguma flexibilização nas regras de transição do atual para o novo regime. Todos também estão à espera de critérios mais rígidos para a previdência dos militares. E, por critérios mais rígidos, entenda-se compatíveis com aqueles que estão impostos a trabalhadores do setor privado e servidores públicos.
3) Que a minirreforma trabalhista produza efeitos dos dois lados. Em outras palavras, que a flexibilização dos contratos trabalhistas não resulte unicamente em corte de custos, a ser integralmente apropriado pela empresas, mas também promova redução do exército de desempregados espalhado pelo País.
4) Que a ofensiva pela contenção dos gastos públicos desafie os lobbies e mire privilégios e privilegiados. É o caso, por exemplo, dos excessos salariais observados no Judiciário. Parece até óbvio, mas isso significa, entre outras coisas, que teto salarial seja “de fato” o teto. Não faz sentido – e chega a ser até imoral – discutir limites ao reajuste de salários da base da pirâmide e tolerar que alguns procuradores tenham direito a penduricalhos que garantam remuneração de até R$ 120 mil. Também é o caso da autoconcessão de aumentos salariais pelos políticos, independentemente do cenário, como a “esperta” iniciativa dos vereadores de São Paulo.
5) Que os gastos em educação e saúde sejam preservados, mas que sua aplicação seja eficiente e não favoreça a abertura de gargalos para o desvio de verbas – tendência demonstrada pelo levantamento da CGU, que apontou as duas áreas como alvo de quase 70% das fraudes e corrupção detectadas nos municípios nos últimos 13 anos.
6) Finalmente, que os Estados consigam superar a crise financeira, mas não apenas à custa do sacrifício dos servidores. Como contrapartida a um socorro do governo federal, medidas duras de ajuste nas finanças dos Estados, inclusive na Previdência, viriam acopladas a corte de benefícios para os Judiciários locais e Tribunais de Contas – incumbidos de fiscalizar o uso do dinheiro público e eles mesmos fontes de distorções.
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Desejo a todos os leitores que 2017 seja um ano mais suave do que 2016, com mais solidariedade e tolerância entre as pessoas. E que o debate sereno em torno de ideias tome o espaço das disputas estridentes, contribuindo para que o cenário de crescimento com justiça social seja mais do que um desejo de ano-novo.
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