- Folha de S. Paulo
Mário Soares, o ex-presidente de Portugal que morreu no sábado, estava entre os raros políticos que merecem o título de estadista. Combatente sem armas, ajudou a derrubar a ditadura de quase cinco décadas que mantinha seu país preso a uma bolha de atraso.
O jornal "Público" definiu o socialista como o "rosto maior da democracia portuguesa". Mas ele também deixou sua marca no exterior: acelerou a libertação das colônias africanas e deu impulso ao projeto de integração da Europa.
Advogado de presos políticos, Soares se tornou um deles ao contestar o regime de Salazar. Passou 12 vezes pela cadeia até ser deportado, sem julgamento, para a longínqua ilha de São Tomé, na África. Depois se exilou na França, onde articulou a fundação do Partido Socialista.
Era um defensor intransigente do "socialismo em liberdade". "Antes de ser socialista, sou democrata", repetia, quando colegas da esquerda sonhavam em replicar o modelo soviético. Depois da Revolução dos Cravos, em 1974, enfrentou os comunistas para impedir que Portugal virasse uma ditadura alinhada a Moscou. Vitorioso, tornou-se o primeiro premiê escolhido nas urnas e o primeiro civil na Presidência desde 1926.
Soares passou uma década no Palácio de Belém. Conquistou o segundo mandato com mais de 70% dos votos. Era o reconhecimento dos portugueses a seu esforço para reduzir as diferenças que separavam o antigo império do resto do continente.
Nos últimos anos, equilibrava-se entre a defesa do projeto europeu e a crítica à hegemonia da Alemanha no bloco. Defendia suas ideias com ênfase, mas sem perder o humor.
Em 2013, fui entrevistá-lo na sede da fundação que leva seu nome, em Lisboa. O ex-presidente insistiu que Portugal precisava "sair da crise dentro da Europa". Quando perguntei se era possível enfrentar o predomínio de Berlim, ele não titubeou: "Os alemães só fizeram guerras. Nós descobrimos o mundo. É muito diferente!"
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