- Valor Econômico
• Na percepção de colegas, Cármen Lúcia é candidata
Depois de fazer uma inspeção em campo sobre a situação penitenciária na Região Norte do país, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, telefonou para o presidente Michel Temer e fez o convite: "Vamos conversar"? Temer respondeu de bate-pronto: "Vamos. Eu vou até a sua casa".
Esta é a versão mais aceita no Congresso e no Judiciário para o encontro do presidente com a ministra no sábado, na casa dela. A percepção de colegas de Cármen Lúcia, de setores do Congresso e até do Palácio do Planalto é que a presidente do STF foi definitivamente picada pela mosca azul.
Na versão oficial Temer e Cármen Lúcia conversaram ao longo da semana e em algum momento concordaram em se encontrar. O Palácio do Planalto não avalia a versão segundo a qual Cármen Lúcia chamou o presidente para conversar ao voltar do Amazonas.
A verdade pode estar entre uma e outra versão: os dois combinaram se encontrar no domingo, mas Cármen Lúcia resolveu antecipar para o sábado. Temer, que segundo os mais chegados é amigo de Cármen, concordou e decidiu se deslocar até sua casa numa deferência à ministra.
À esta altura de janeiro deveria haver mais candidatos a presidente da Câmara e do Senado, como demonstram eleições anteriores. Mas em tempos de Lava-Jato, ninguém quer mais muita confusão e exposição, o que deve favorecer os candidatos com a simpatia do Planalto. Não interessa ao establishment politico - partidos, bancadas, deputados, senadores - o enfraquecimento do governo.
O governo é o único aliado à vista do establishment político. Parlamentar quer mais é fortalecer a sua turma. Os "inimigos", neste momento, são comuns - o Ministério Público e o Judiciário. Eles, os integrantes do sistema político, são a caça numa selva desconhecida, na qual não estão no topo da cadeia alimentar.
A luta é de sobrevivência. Roteiro conhecido. Talvez por isso, ao menos por enquanto, o que causa excitação nas casas atrás dos muros baixos de Brasília seja a possibilidade de a crise levar a Presidência até Cármen Lúcia, se Temer não aguentar o tranco. Não é hipótese para ser descartada de primeira, quando praticamente toda a linha sucessória presidencial, exceto ela, tem contas a ajustar com a Justiça e as baterias da Lava-Jato estão assestadas em direção à cidade.
Pode ser apenas mais uma intriga das que atualmente permeiam as relações no Supremo. Mas com certeza a ideia de sagração da ministra tem apoiadores além das venerandas paredes do STF.
Cármen Lúcia, é bem verdade, causou mal-estar entre os colegas ao assumir o discurso de que a crise econômica impedia o reajuste salarial do Supremo. Mas no Judiciário a crença difundida é que a ministra jogou para a plateia com um discurso fácil e populista. Ficou mal com os seus pares, mas ficou bem na foto da opinião pública.
Outro lance dessa novela é a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello para afastar do cargo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), até fevereiro o segundo na linha sucessória de Michel Temer - o primeiro é Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Entre quem vê Cármen Lúcia como a solução, a saída de Renan desestabilizaria o governo e a esta altura o Congresso, provavelmente, estaria elegendo um novo presidente por votação indireta. Ela.
Até a véspera do pronunciamento do plenário, segundo fontes que acompanham de perto os bastidores do Supremo, a maioria dos ministros tendia pela confirmação da liminar. No dia deu 6 a 3 para Renan. Temer, aparentemente, abriu espaço no Supremo, que hoje é maior que na posse em 2016.
Dois eventos singulares certamente contribuíram para a reversão das expectativas. O primeiro foi a postura moderada do vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), que assumiria no lugar de Renan, se o afastamento fosse confirmado. Parecia uma chance para a revanche do PT, mas não foi o que sucedeu. Viana, aliás, não tinha muita opção: se assumisse e adiasse a votação da PEC do teto de gastos, marcada para logo depois, causaria um terremoto na economia e o PT seria acusado de quebrar o país pela segunda vez; se mantivesse a votação, já marcada para aquela semana, seria chamado de traidor pela base do PT.
Outro fato foi a decisão do ministro Celso de Mello, o decano da Corte, de votar logo depois do relator. No Supremo a praxe é que a votação começa pelos ministros mais novos e termina com a tomada de votos dos mais antigos no posto. O atual governo está convencido de que houve decisões tomadas pelo Supremo, durante o processo de impeachment, cujo desfecho poderia ser diferente, se o experiente Celso de Mello tivesse sido ouvido antes que a votação chegasse nele quando o resultado já estava definido. Neste caso, Mello fez o chamado voto condutor - aquele que leva à maioria.
No fim, a própria ministra Cármen Lúcia votou na solução mais confortável para a manutenção do ameaçado equilíbrio entre os Poderes: Renan, já em fim de mandato, ficaria no cargo, mas não poderia substituir Michel Temer em caso de impedimento, mesmo temporário, do titular e do presidente da Câmara. Neste caso o voto de Mello agradou o governo e Renan, mas em outros desagradou, como aconteceu no julgamento da ação do Rede sobre réus na linha de substituição da Presidência.
Bem antes, Cármen Lúcia já havia se recusado a participar de uma reunião com os chefes de Poderes convidada para discutir a questão da segurança pública. Acabou indo, dias depois. A viagem da presidente do Supremo ao Amazonas também é vista em áreas jurídicas como outra decisão populista. No recesso, Cármen Lúcia surpreendeu ao conceder a liminar que impediu o governo federal de executar as garantias dos Estados inadimplentes - criando um problemaço para o Planalto. Chamado ou não, Temer foi à casa de Cármen Lúcia. A pauta poderia ser segurança, mas Temer falou sobre o problema dos Estados. Do jeito que está, a União não dará mais aval para a tomada de empréstimos pelos Estados.
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