quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Inflação recua e dá alívio na renda

• Taxa de janeiro foi a menor em 23 anos. Preços sob controle são primeiro sinal de melhora na economia

A inflação ficou em 0,38% em janeiro, a menor taxa para o mês em 23 anos, informou ontem o IBGE. Analistas já preveem alta de preços abaixo de 4,5% este ano. Em meio à recessão e ao desemprego, a inflação em queda será o primeiro sinal de melhora na economia percebido pelas famílias. Analistas acreditam que o IPCA, usado nas metas do governo, poderá ficar abaixo de 4,5% este ano, abrindo espaço para um corte mais acelerado dos juros no país.

Sinal de alívio em meio à crise

• Inflação de janeiro tem queda recorde, e analistas já falam em taxa anual abaixo de 4,5%

Daiane Costa, Annelize Demani* | O Globo

A inflação em janeiro recuou para 0,38%, a menor taxa para o mês em 23 anos, informou ontem o IBGE. Com esse resultado, em 12 meses, a inflação oficial do país, o IPCA, desacelerou para 5,3%, contra os 6,29% registrados no mês anterior. O alívio nos preços aparece, assim, como o primeiro sinal de melhora da economia a ser sentido pelas famílias brasileiras após dois anos de recessão. Com a inflação contida, diminui a corrosão na renda dos consumidores. A taxa surpreendeu positivamente o mercado, e já há quem aposte em uma inflação inferior ao centro da meta perseguida pelo governo, que é de 4,5% para 2017. Com isso, cresce a expectativa de um corte maior e mais acelerado da taxa básica de juros (Selic), hoje em 13% ao ano.

— Pelo menos no campo da inflação estamos vendo algum sinal positivo, que, em um primeiro momento, será revertido em juros mais baixos e freio na corrosão da renda. Num segundo momento, vai baratear o crédito a consumidores e empresas, gerando demanda, investimentos e emprego, o que, consequentemente, vai fazer a renda real aumentar, aliviando o orçamento das famílias — pontua Maria Andreia Parente Lameiras, economista do Ipea.

Nos últimos dois anos, a inflação de janeiro, que historicamente é mais alta devido à pressão sazonal dos preços dos alimentos in natura, cuja produção é prejudicada pelas chuvas de verão, foi potencializada pela incidência do fenômeno climático El Niño. No ano passado, a taxa ficou em 1,27% no primeiro mês do ano. A forte desaceleração ocorrida no começo de 2017, ressalta Eulina Nunes, coordenadora de Índice de Preços do IBGE, deve-se à regularização das chuvas. A ausência do El Niño, aliada à expectativa de safra recorde de 215,3 milhões de toneladas de grãos este ano, será fundamental para manter a inflação em trajetória de queda, segundo os economistas, assim como a baixa demanda, consequência da recessão.

— Mas, a depender dos desdobramentos da Lava-Jato, isso tudo vai por terra. O componente político é importantíssimo para a economia seguir se recuperando — pondera Ricardo Balistiero, coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia, expressando um temor entre economistas: novas turbulências no campo político trazem risco de alta para a inflação porque podem voltar a desvalorizar o real.

CONTRATAÇÕES DEVEM VOLTAR NO 2º SEMESTRE
Balistiero defende que manter a taxa dentro da meta é fundamental para recompor a renda, principalmente das famílias mais pobres e desempregadas, que só devem sentir um alívio no bolso quando o mercado de trabalho voltar a contratar, o que deve começar a ocorrer no segundo semestre deste ano:

— A inflação desorganiza tudo. Vide os anos 1980 e 1990, quando tínhamos taxas de quatro dígitos. Vivíamos num país pouco civilizado.

Além disso, mesmo que os juros básicos caiam a 9% ao ano ainda em 2017, conforme previsões, o consumidor pouco sentirá diferença, pois há uma disparidade muito grande entre a Selic, que é apenas balizadora de quanto o dinheiro está custando no mercado financeiro, e as taxas praticadas ao consumidor. A taxa de juros média geral para pessoa física estava em 8,16% ao mês (156,33% ao ano) em dezembro.

Entre as reduções feitas pelo Banco Central e o repasse dessas quedas ao consumidor há um intervalo de cerca de seis meses, até que bancos e financeiras ajustem suas carteiras de crédito. Quanto mais a demanda por crédito aumentar, mais rapidamente os juros caem, explica Balistiero:

— O mercado vai impor à classe média um desafio: ela, que estava acostumada a investir em renda fixa e ter rendimentos elevados por conta dos juros altos, terá de migrar para ações, correndo riscos. A queda dos juros levará a um novo ciclo de abertura de capitais.

JUROS: PERSPECTIVA DE REDUÇÃO DE 1 PONTO
Para Luis Otavio de Souza Leal, economistachefe do Banco ABC, a consolidação da trajetória de queda da inflação é importante para ancorar as expectativas:

— Essa trajetória causa uma queda forte dos juros futuros. Se ela vai ou não acelerar a queda da Selic, pouco importa. O fato é que o mercado agora tem certeza dessa queda lá na frente. Quando o mercado incorpora essa expectativa, já há um ganho na ponta final: para consumidor e empresas.

Os bancos Fator e Merrill Lynch, e o economista Carlos Thadeu Freitas Gomes Filho, sócio da MacroAgro Consultoria, já apostam em um IPCA inferior a 4,5% em 2017. Nas contas de Carlos Thadeu Filho, ficará em 3,94%. Em relatório, o Merrill Lynch informou que, após a divulgação do resultado de janeiro, revisou a projeção de 4,7% para 4,4%. E sugere que o cenário de queda da inflação abre espaço para o governo reduzir a meta para este indicador em 0,25 ponto percentual, para 4,25%, a partir de 2019. “É uma possibilidade que se torna mais provável”, diz a nota. José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, aposta em uma inflação de 4,37% em 2017, com o acumulado em 12 meses ficando inferior a 5%, em 4,94%, já em fevereiro.

— O Comitê de Política Monetária se reúne no dia 22, e aguardamos queda de 1 ponto na Selic, pois a inflação aponta para o centro da meta com alguma folga, e não há atividade. Esperamos que o dólar fique no patamar de hoje, entre R$ 3,10 e R$ 3,20, e, mesmo que chegue a R$ 3,40, fará cócegas, porque não tem atividade — analisa Gonçalves, que projeta um PIB entre 0,2% negativo e zero este ano.

As tarifas dos ônibus urbanos, que subiram 2,84% em janeiro, lideraram o ranking dos principais impactos na taxa geral, com 0,07 ponto percentual. Importantes na despesa do consumidor, os ônibus urbanos têm expressiva participação de 2,61% na formação do IPCA. Com isso, o grupo Transportes apresentou a mais elevada variação entre as categorias pesquisadas, com alta de 0,77%.

No IPCA de fevereiro, entre os aumentos que devem pesar está o da tarifa de trem no Rio de Janeiro, de 13,5%, em vigor desde o dia 2 deste mês. Os consumidores já sentem o impacto no orçamento. Aline Silva, de 37 anos, mora em Itaguaí e vai de trem para o trabalho, próximo à Central do Brasil. Como é autônoma, teve de repassar o aumento da passagem para o serviço que presta:

— Agora, cobro um pouco a mais por cada trabalho que faço. Mas, sempre que dá, pego ônibus, para não pesar tanto no meu orçamento.

Felipe Accioly, de 23 anos, mora em Realengo e usa o trem todo dia para entregar os produtos que vende. Por causa do aumento da passagem, também está cobrando mais pela entrega:

— Eu preciso pegar trem. É mais fácil e rápido.

*Estagiária, sob a supervisão de Lucila de Beaurepaire

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