Donald Trump já na campanha eleitoral avisou que pretendia abalar o establishment americano e cumpriu a promessa, produzindo em um mês a mais caótica estreia de um presidente americano em décadas. Longe de trazer para a Casa Branca um time coeso de talentos com alguma experiência na arte de governar, Trump quer conduzir sob sua aura de homem de negócios um bando de ultraconservadores republicanos, de neófitos na administração, militares e milionários do mercado financeiro. O presidente governa por impulsos e orienta por espasmos, disparando políticas que confundem os próprios subordinados e chocam até mesmos seus inimigos mais céticos. Ao completar 30 dias de mandato na segunda-feira, dia 20, Trump deixa no ar a suspeita de que poderá não terminar seu mandato.
Nesses poucos dias, Trump criou enormes encrencas e perdeu dois colaboradores. No caso mais grave, demitiu o conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, que após a vitória nas eleições discutiu com membros do governo russo sanções econômicas aplicadas pelo governo americano. Em episódio menor, Andrew Puzder pediu para não ocupar a Secretaria do Trabalho. Adversário do salário mínimo, e dono de vasta cadeia de restaurantes fast-food, ele contratou imigrante ilegal para trabalhar em sua casa e sua mulher foi a um programa de TV queixar-se de maus tratos do marido. Puzder percebeu que alguns republicanos não o aprovariam na sabatina no Senado - onde o partido tem 52 cadeiras e os democratas, 48 - e caiu fora.
Trump testa os limites das instituições, acreditando que sua posição maximalista lhe trará ganhos. Não foi assim na suspensão de seu veto a imigrantes de 7 países muçulmanos, operação descoordenada que transformou os aeroportos americanos em balbúrdia e levou as autoridades ao desconcerto, numa demonstração precoce de incompetência. Ofendeu procuradores, mas sua ordem presidencial está barrada pela Justiça.
Ainda sem ter seu time aprovado pelo Senado, Trump fez pouco no plano doméstico e sua agenda de corte de impostos para empresas, tarifas contra importações e gastos bilionários na infraestrutura está, compreensivelmente, à espera de execução. Pelo que já mostrou até agora, é certo que Trump as executará, assim como derrubará boa parte da regulamentação ambiental e da financeira pós-crise - esta última a cargo de ex-executivo do Goldman Sachs. O presidente acha que sem tantas restrições os bancos darão mais crédito e releva o fato que, deixados à própria sorte, os bancos provocaram a maior crise econômica em quase um século, da qual os EUA emergiram há pouco.
A estratégia de choque de Trump foi mais agressiva no plano externo, no qual o presidente dos EUA tem mais margem de manobra. Retirou-se da Parceria Transpacífica, concebida para deter o avanço da China, passou a hostilizar chineses, mexicanos e prometeu rever o Nafta. Inacreditavelmente, atacou seus mais importantes aliados, enquanto mostrou inclinação inexplicável pelo autocrata russo Vladimir Putin. Uniu China e Alemanha na mesma classe de manipuladores cambiais que prejudicam a indústria americana. Disse que a Otan era obsoleta e ameaçou rever princípios de segurança para Japão e Coreia do Sul.
Anteontem, derrubou mais um pilar da política externa americana, a defesa da solução de dois Estados para o conflito entre israelenses e palestinos. Sem muito alarde, vai retirando fundos e presença de organismos multilaterais que considera hostis aos EUA ou desimportantes.
A visão favorável de Putin, que parecia um enigma, agora se tornou francamente problemática. O FBI e comissões do Congresso investigam o affair Flynn e nessa busca terão de saber se o eleito Trump sabia o que o ex-conselheiro fazia, se é que não cumpria ordens. O escândalo evidencia o ponto mais frágil do presidente - a possibilidade de conflito de interesses entre o cargo e seu vasto leque de negócios. Trump não divulgou seu Imposto de Renda, como é praxe, colocou seus filhos para cuidar dos negócios e pôs o genro, Jared Kushner, na Casa Branca.
Não há dúvidas de que os russos atuaram na campanha para prejudicar a candidata democrata, Hillary Clinton, sob aplausos de Trump. Os congressistas procurarão saber quais negócios Trump têm no país, uma indagação que perseguirá o presidente a cada ato polêmico - pela amostra, serão muitos. Trump brinca com o impeachment.
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