quinta-feira, 16 de março de 2017

O terceiro elemento - Míriam Leitão

- O Globo

Os políticos terão que votar a reforma da Previdência no meio de um clima tóxico em que inúmeros parlamentares estão mais preocupados com a própria sobrevivência ameaçada pela lista do Janot. Ontem, outro elemento juntou-se ao cenário: manifestações e greve em vários pontos do país. Tudo isso torna mais difícil a votação de uma reforma que jamais será popular.

Mudar a Previdência no Brasil, e em qualquer país do mundo, é difícil. Fazer isso no meio de uma crise política desta dimensão é ainda pior. Aos políticos brasileiros se pede que votem em um tema indigesto e enquanto estão passando pelo maior teste já imposto ao sistema brasileiro. Muitos desses parlamentares jamais voltarão ao Congresso, outros terão muita dificuldade de se eleger.

O Brasil é assim intenso e tem sempre a agenda lotada. Não se pode parar a discussão da reforma, nem se pode interromper o processo de investigação da corrupção. Mas os parlamentares estão muito mais interessados em votar uma anistia aos crimes eleitorais, achando que assim se safam da pressão do Ministério Público, do que em enfrentar a reforma da Previdência contra a qual há agora inclusive protestos de rua e greves.

Os institutos antirreforma estão sendo muito eficientes em vender seu peixe. Provam por números, e muito sofisma, que a reforma não é necessária porque a Previdência seria superavitária. É falso, mas é muito mais agradável ouvir isso do que os argumentos que mostram que a reforma é inevitável. Para piorar, o governo se comunica mal, não conseguiu dar uma reposta boa e convincente para os números dos antirreforma.

O truque dos que são contra é simples. Ele se aproveita do fato de que Previdência está junto com outros programas de assistência na Seguridade Social para incluir na contabilidade o que lhes convém. A Contribuição Social sobre Lucro Líquido, o PIS, o Pasep e a Cofins não são arrecadadas para pagar a Previdência. Ela tem que se equilibrar com suas contribuições patronais e dos trabalhadores. Os impostos gerais pagam os benefícios sociais aos mais pobres. Assim é que tem que ser, principalmente num país tão jovem e tão desigual. Mas como todos esses impostos são para financiar a Seguridade, a conta é feita com a soma das contribuições e a receita de todos esses impostos para concluir que a Previdência não tem déficit. Por mais sedutor que seja esse argumento, ele é insensato. O futuro exigirá cada vez mais gastos com aposentados por razões demográficas e temos que nos preparar para ele.

É da natureza humana mobilizar-se em seu próprio favor. Por isso, há professores que não querem perder seu regime especial, trabalhadores que não querem ficar mais tempo no mercado de trabalho, servidores que não querem abrir mão das suas vantagens. Isso é racional da perspectiva de cada um, mas coletivamente é um desastre. O Brasil é um dos raríssimos países do mundo que não tem idade mínima de aposentadoria. É óbvio que ter uma idade mínima de aposentadoria é necessário. Continuaria sendo necessária ainda que os números ilusórios dos que são contra a reforma estivessem certos.

O sistema político teve perda forte de credibilidade desde o início da Operação Lava-Jato e está sendo chamado para votar uma reforma impopular com manifestantes na rua. Não será fácil. O governo terá que mobilizar todas as suas forças no esforço de convencimento. Mas, desde que assumiu, este é o momento em que esta administração está mais fraca politicamente. Pessoas-chave estão na lista dos pedidos de abertura de inquérito da Procuradoria-Geral da República. Entre eles, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que ontem também passou a ser investigado por crime ambiental. O Congresso está todo voltado para o seu próprio redemoinho, no qual estão os presidentes das duas Casas.

Enquanto isso, a economia, ainda politraumatizada pela crise, dá seguidos sinais positivos, mas de uma recuperação lenta e frágil. A reforma da Previdência aprovada trará o sinal de que o Brasil vai tentar solucionar o buraco fiscal no qual caiu nos últimos anos por força das mesmas ideias que hoje sustentam que o problema da Previdência é uma ilusão. O teste decisivo será o da votação dessa reforma.

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