- Folha de S. Paulo
O embate entre Luiz Inácio Lula da Silva e Sergio Moro, anticlimático dentro e fora do prédio da Justiça Federal de Curitiba, serviu politicamente para consolidar parte do discurso a ser adotado pelo petista na eleição presidencial de 2018.
Se os apoiadores de Lula queriam tornar o 10 de maio de 2017 uma espécie de marco do trajeto de retorno do petista ao Planalto, as reiteradas dúvidas no depoimento e a ausência de um movimento avassalador nas ruas embaçaram a pretensão.
Lula sabe que, sendo ou não candidato, terá seu legado julgado em alguma medida. Ao longo de sua fala, ele deita bases de argumentação sobre o tema -a rejeição às reformas do governo Michel Temer irão compor a outra metade do discurso, de muito mais fácil assimilação.
O petista diz ser vítima de uma perseguição movida pelas "elites" e por um conluio entre imprensa e "Justiça", embora ele acuse repetidamente o Ministério Público. Afirma que seu "estilo de governar está sendo julgado".
Moro conseguiu segurar os arroubos maiores de Lula. Apenas nos 17 minutos de considerações finais do ex-presidente houve uma tentativa mais coerente de discurso, sob os protestos do juiz.
Se não houve o palanque explícito de seu primeiro depoimento, em outro processo da Lava Jato, Lula ainda assim conseguiu passar uma mensagem inteligível em programas eleitorais.
Ele também admoestou Moro ao chamá-lo de "jovem" e "sem paciência", e falou do "dia em que o senhor for candidato". Foi um misto de estocada e recibo pelo desempenho do magistrado numa simulação de segundo turno da mais recente pesquisa do Datafolha, na qual Moro o bate numericamente.
No mais, houve altercações, mas nem Moro perdeu mesmo a paciência com Lula, nem o petista ultrapassou alguma linha vermelha.
Assim, o juiz não repetiu os erros anteriores, como quando tentou obrigá-lo a acompanhar todas as audiências do caso.
As ruas, por sua vez, mostraram-se soporíferas. Lula fez uma parada para a "photo opportunity" junto ao "povo", uma concentração bem modesta de militantes e senadores enrolados na Lava Jato que enforcaram a quarta-feira de trabalho.
Nada da presença maciça do "Exército do Stédile", embora o líder do MST lá estivesse como figura de proa, assim como a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Essa associação aos estratos mais organizados do campo à esquerda parece acompanhar o refluxo discursivo do petista: sai o Lula da "Carta ao Povo Brasileiro" e volta o líder sindical raivoso e de retórica incisiva.
O petista segue forte no Datafolha, mas ocupando um nicho histórico de cerca de 30% do eleitorado e com rejeição altíssima (45%). Parece difícil vê-lo dialogando com a classe média que abandonou o PT na esteira do impeachment de Dilma.
Após o depoimento, Lula repetiu o discurso de vítima e reafirmou querer ser candidato. Tudo dentro do roteiro.
O irrisório engajamento daqueles contrários a Lula, por sua vez, pode ser debitado ao enfraquecimento geral dos movimentos que levaram ao impeachment.
A defesa da Lava Jato pode estar perdendo empuxo, mas também é bom lembrar que Moro pediu em um vídeo caseiro que seus apoiadores não fossem às ruas.
Como isso reflete o estado de espírito do espaço centrista a ser ocupado em 2018 é questão em aberto.
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