Visto pelo olhar da Receita Federal, o retrato do imposto de renda abre um espaço bastante considerável para se ampliar a cobrança de tributos no Brasil. Com os grandes números à vista, empresários e economistas reclamam que a carga tributária, de 32,4% do PIB em 2014, é a maior entre os países da América Latina e Caribe. Vista pelo consumidor, que em geral não a enxerga, a distribuição dos impostos recai principalmente sobre bens e serviços do que sobre qualquer outra fonte de renda. E esses vários ângulos compõem o quadro de brutal concentração de renda no país. Foi isso que mostrou a radiografia dos impostos apresentada pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, - a carga tributária é desigual e desequilibrada.
No desenho tributário feito por Rachid, o Brasil é um país com carga tributária média na comparação com os países da OCDE, atingindo 32,4% do PIB em 2014. A comparação média não revela as disparidades brasileiras, porém. Dos 30 países comparados, o Brasil é o que menos tributa lucros, renda e ganho de capital (5,85% do PIB). A carga sobre bens e serviços, ao contrário, é a segunda maior de todas elas (16,28%), atrás apenas da Hungria (16,8%).
As declarações de 2016, referentes ao exercício de 2015, permitem observar que bens e serviços (49,6%) e a folha de salários (25,83%) sustentam três quartos da arrecadação total. A fatia do imposto sobre a renda (18,27%) vem a seguir na ordem de grandeza, enquanto que é muito pequena a participação da propriedade (4,4%) e mais baixa ainda a proveniente das transações financeiras (1,8%). Em relação ao PIB, a posição relativa desses itens não varia.
O mix de cobrança, que privilegia bens e serviços e alivia ganhos financeiros e propriedade é considerado como o oposto de um sistema saudável, favorável à distribuição de renda e socialmente justo. No entanto, desde 2002 as distorções não foram corrigidas e até se agravaram um pouco. Daquele ano até 2015, a fatia de bens e serviços e folha de salários no total arrecadado subiu, ainda que marginalmente, enquanto que a das transações financeiras caiu a menos da metade (o fim da CPMF explica a maior parte da redução) e a da propriedade cresceu em menos de 1 ponto percentual (para 4,44%).
O sistema tributário não cobra imposto de renda da base (ou 8,9 milhões de 27,5 milhões de declarantes) ou quase não cobra da metade, se forem incluídas 7,4 milhões de pessoas que ganhavam de 3 a 5 vezes o salário mínimo (de R$ 788). A classe média alta, com rendimentos a partir de R$ 31 mil, paga as maiores alíquotas, superiores até a dos mais ricos.
A isenção em relação à renda bruta para os 0,1% mais ricos, com renda mensal igual ou superior a R$ 135 mil chega a 41%, maior que a dos demais decis dos 1% de mais alta renda e só é menor que a dos 49% usufruída por 50% dos declarantes, que ganhavam até R$ 1.640. O fosso entre os ricos aumenta de acordo com a renda, isto é, quanto maior ela é na ponta superior da escala, maior a isenção e menor a alíquota média efetiva do imposto, que é de a 9,1% para o 0,1% de maior renda, cerca de 275 mil declarantes, em relação à de 12,4% dos restantes 0,9% ricos.
A concentração de renda registrada nos dados da Receita é enorme. Os 10% mais ricos tinham 2,4 vezes mais que toda a renda de 50% dos declarantes, cujos rendimentos eram de 3,9 salários mínimos, faixa de remuneração de 73% da população economicamente ativa. Sua correção, pela via fiscal, é necessária, embora politicamente difícil.
A carga tributária, nesse sistema e no contexto de desigualdade, é a vilã preferida de todas as camadas da população. Dos empresários, por causa da pesada incidência sobre a folha de salários, dos assalariados de mais baixa renda, por serem atingidos indiretamente pela tributação de bens e serviços, e dos profissionais liberais e escalões gerenciais que pertencem à classe média alta, que pagam as maiores alíquotas de IR. Outro ponto em comum a todos é a crítica ao péssimo serviço que lhes é devolvido pelo Estado pelos impostos que pagam.
Em breve, o governo terá de lançar mão da elevação de tributos para sustentar suas metas fiscais. Ela só será justificável se procurasse corrigir as distorções e fazer uma triagem criteriosa das deduções e subsídios que abriram mão de uma arrecadação de R$ 270,8 bilhões em 2016 - nada menos de 4,32% do PIB ou 21,4% da receita federal.
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